O sensei Takeshi Miura pisa no tatame onde seis judocas o esperam. No centro da sala, ele aponta para
o maior e mais forte da turma. O silêncio invade a sala. E só é quebrado com o estalar das costas do
oponente do mestre no chão. “Ele parece um ninja”, diz um deles, de olhos arregalados. O comentário
tem um tom quase infantil, mas todos ali são campeões mundiais, título que o próprio sensei nunca
tentou conquistar. Aos 71 anos, Miura, um dos maiores judocas brasileiros, voltará a competir
oficialmente. O retorno ocorrerá no próximo dia 25, no Campeonato Mundial de judô, em Málaga, na
Espanha.
A maior parte dos alunos nunca viu Miura competir. Há 46 anos, no auge da carreira, quando era
campeão pan-americano e nacional, ele sofreu um acidente de carro que mudou a forma de enxergar a
vida. “Fiquei muito ‘zen’, calmo demais. No tatame, você precisa ser agressivo, eu perdi isso”, explica.
Assim, focou o talento nas aulas e fez da academia na 912 Sul um local de peregrinação de atletas. Lá,
moldou grandes talentos da modalidade no país, como Érika Miranda e Ketleyn Quadros. Dos nove
brasilienses que vão ao Mundial, seis treinam com ele.
Hoje, com equilíbrio entre o lado agressivo e o calmo, Miura explica que o longo hiato das competições
se deve às regras dos campeonatos mundiais, que há seis anos não tinham divisões por idade. “Não
dava para disputar com um atleta de elite de 20 anos”, argumenta. Agora, Miura lutará com judocas de
70 a 74 anos. Bem mais justo para buscar mais uma taça, que pode se somar aos 198 troféus
conquistados pelos alunos e que estão nas paredes da academia. “Aqui, acabou o espaço; lá em casa,tem mais alguns”, acrescenta.
Entre os alunos, é difícil controlar a expectativa para ver o mestre na disputa de um título. “Esses dias,
fizemos uma roda, com cinco em volta dele, e todos apanharam”, narra Edson Schultz, um dos
discípulos. Mesmo eufórico diante do retorno, Miura esclarece que não faz isso para pagar uma dívida
com o passado. Ele diz não guardar arrependimentos pela falta de mais títulos no currículo. “Não é uma
obsessão, estou mais preocupado com a paella (prato espanhol à base de arroz) que vou comer na
Espanha”, brinca.
Todas as despesas de Miura para ir ao campeonato — em torno de R$ 15 mil — foram divididas entre
os alunos da academia. Quando perguntado se não deu para enriquecer com as aulas, o mestre
responde, sem pensar: “Eu sou milionário, mas de amigos. Tem coisa melhor do que isso?” Mesmo sem
a conta bancária recheada, é rotina ter pessoas de baixa renda nas aulas. Elas não precisam
desembolsar os R$ 220 da mensalidade. “Ele já levou aluno para casa, pois o menino não tinha lugar
para dormir” conta Heitor Mello, um dos seguidores
Deixe a sua opinião sobre o post