Somente este ano foram ajuizadas 2.731 ações com pedidos para que o poder público forneça medicamentos e insumos
A disposição que a podóloga Georgiana Barbosa sempre teve para exercer a sua profissão vem sendo limitada por fortes dores nas articulações, sobretudo, nos dedos das mãos. Aos 38 anos, ela sofre de artrite reumatoide, doença inflamatória crônica que faz o sistema imunológico atacar células saudáveis. E, assim como pelo menos 8,5 mil pessoas no Rio, segundo dados do sistema da Superintendência de Assistência Farmacêutica do governo estadual, ela enfrenta dificuldades no tratamento devido à carência de medicamentos classificados como especializados — geralmente caros e indicados em casos de males crônicos e raros.
Uma portaria do Ministério da Saúde determina que esses remédios sejam fornecidos gratuitamente pelos estados. Desde 2018, Georgiana tenta, em vão, receber o seu, o Rituximabe, que pode custar até R$ 8 mil.
“Em novembro, a Secretaria estadual de Saúde me autorizou a obtê-lo. Desde então, sempre que vou à Rio Farmes me pedem para voltar no mês seguinte”
— Em novembro, a Secretaria estadual de Saúde me autorizou a obtê-lo. Desde então, sempre que vou à Rio Farmes (farmácia de distribuição do estado, que fica no Centro do Rio) me pedem para voltar no mês seguinte — lamenta.
Dificuldades mesmo com decisão judicial
Diante das deficiências no estoque do governo, cada vez mais doentes apelam ao Tribunal de Justiça para conseguir remédios — e não só os especializados. De janeiro a julho deste ano, foram ajuizadas 2.731 ações com pedidos para que o poder público forneça medicamentos e insumos. Em todo o ano de 2018, foram 2.942 solicitações. Mas nem sempre uma decisão favorável tem sido uma garantia para quem precisa.
Sabendo dessa agonia, Gabriela Boueres, de 22 anos, acionou os tribunais antes mesmo de entrar com um pedido na Rio Farmes. Grávida de três meses e em tratamento por causa de uma trombose na perna esquerda, ela foi advertida de que a falta do remédio Clexane pode ter consequências à saúde dela e à de seu bebê. Dez doses do medicamento custam R$ 400, e Gabriela precisa tomá-las diariamente, até um mês após o parto.
— No Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj, a médica orientou que eu fosse diretamente à Defensoria Pública antes de pedir o remédio na Rio Farmes. Devido à minha gravidez, esse é o remédio recomendado. Outros medicamentos poderiam atravessar a placenta e atingir meu bebê — disse Gabriela, que tem a gestação considerada de alto risco e, por isso, consegue fazer o pré-natal no Pedro Ernesto.
A equipe médica deu a Gabriela algumas doses do remédio indicado, mas elas só vão durar até quarta-feira.
“Para onde vão nossos impostos? A gente faz nossa parte, mas o governo não faz a dele”
A Secretaria estadual de Saúde admite que o quadro não é dos mais estáveis. Oficialmente, informa que faltam 25 medicamentos especializados em seu estoque. Entre eles, está o Ambrisentana, usado para combater a hipertensão arterial pulmonar. Cada caixa com 30 cápsulas custa cerca de R$ 2 mil. E é dele que a aposentada por invalidez Flavia Maldonado, de 37 anos, depende.
As doses diárias a ajudam a realizar tarefas cotidianas, como ir ao banheiro após acordar. Sem o medicamento, a ex-bancária sente fadigas intensas e falta de ar, o que pode levar à perda da consciência. Ela só não parou de tomá-lo porque conseguiu comprar uma caixa de Ambrisentana com a ajuda de amigos e parentes.
— Para onde vão nossos impostos? A gente faz nossa parte, mas o governo não faz a dele — desabafa Flávia.
Racionalização para sobreviver
A rotina de Lucas Poleto, de 25 anos, também não é fácil. Com 1,78 metros de altura e 47 quilos, ele sofre com a Síndrome de Crohn, doença que impede que seu organismo absorva nutrientes dos alimentos. Todos os meses, o pai dele, o motorista de aplicativo João Poleto, tenta conseguir para o filho uma lata de um suplemento alimentar especial, que custa cerca de R$ 300. Na última quarta-feira, o relógio marcava 9h quando João chegou à central de mandados judiciais do setor de saúde do governo estadual, no Centro do Rio. Munido da decisão judicial que, desde fevereiro, obriga o estado a fornecer o suplemento, ele saiu de mãos abanando.
— A falta do suplemento me deixa com a imunidade baixa. Já tive tuberculose e chicungunha. Não consigo mais fazer esporte, como jogar futebol com os amigos. Se eu corro por mais de cinco minutos, fico sem ar e me dá uma sensação de desmaio. Até no trabalho, sinto dores no ombro em movimentos simples — relata Lucas, morador do Jacaré e vendedor numa papelaria em Vaz Lobo, na Zona Norte.
Hoje, o jovem tenta racionalizar o pouco do suplemento que conseguiu por meio de doações. A dose recomendada pelos médicos é de dez colheres no café da manhã e outras dez no início da noite. Mas ele consome somente quatro colheres ao acordar.
Já Georgiana acionou a Defensoria Pública estadual para tentar obter o remédio que reduziria suas dores. Mas o cenário não é nada animador. No Rio, até remédios especializados fora da lista dos que estão em falta podem não ser fornecidos. O Rituximabe de 500 miligramas, de que a podóloga precisa, não consta na relação dos que não há em estoque. Apesar disso, ela vive sua via-crúcis para consegui-lo.
— Como alternativa, estou tomando um remédio à base de cortisona, que me deixa muito inchada. Olha só o meu pé — diz Georgiana, apontado para o tornozelo.
Fonte: G1
Notícias de Seropédica, do Brasil e do Mundo