Estudos revelam associação e servem de alerta para que médicos considerem esses vírus no diagnóstico de males do sistema nervoso
Chicungunha, dengue e zika são uma ameaça maior do que se imaginava. Cientistas brasileiros descobriram que eles podem permanecer por longos períodos incógnitos e causar doenças neurológicas graves, como encefalite (inflamação do cérebro capaz de paralisar e matar), mesmo em pessoas sem sintomas de infecção.
O alerta é para que os médicos considerem esses vírus no diagnóstico de doenças do sistema nervoso, pois isso faria diferença no tratamento de complicações incapacitantes e potencialmente letais.
A associação entre esses vírus e distúrbios neurológicos graves foi identificada em estudos de pesquisadores do Rio de Janeiro e do Piauí. A recomendação é a mesma:
— Pacientes com encefalites e outros distúrbios do sistema nervoso devem ser submetidos a exames de identificação desses vírus — afirma Soniza Alves-Leon, coordenadora de um projeto sobre chicungunha, zika e doenças neurológicas no Rio e professora de neurologia da UFRJ e da Unirio.
O chicungunha provoca maior apreensão, pois está em franca expansão, com um aumento de 720% do número de casos no estado do Rio. E a chegada do verão favorece a proliferação do transmissor Aedes aegypti, pois o calor estimula a reprodução do mosquito.
O chamado caso zero foi o de uma moradora do Rio, de 35 anos, que sofria de esclerose múltipla desde 2012 e tinha os sintomas dessa doença controlados. Em 2015, porém, ela desenvolveu rapidamente um quadro gravíssimo de encefalomielite disseminada, uma condição chamada Adem.
A mulher nunca manifestou qualquer sinal da infecção por zika, mas foi este o vírus encontrado em seu sangue. O zika provocou uma reação do sistema imunológico que fez o próprio organismo da paciente atacar as células nervosas.
Tratada então adequadamente — não há drogas contra o zika, mas é possível tentar controlar sua ação — a paciente se recuperou. Mas continua a ser acompanhada porque, como observaram Leon e colaboradores no artigo que descreve o caso, há pouco conhecimento sobre o tempo que o zika pode permanecer latente no organismo humano. Neste momento, o grupo de Leon acompanha quatro casos de encefalomielite associados a zika e três casos de neurite ótica a chicungunha.
— Precisamos descobrir por quantos anos esses vírus podem permanecer incógnitos — ressalta a neurologista. — Eles podem causar a doença mesmo em pessoas que não sabem que foram infectadas porque não tiveram sintomas.
Estima-se que apenas 20% das pessoas infectadas por zika e dengue manifestam sintomas. Com o chicungunha essa proporção se inverte e 80% têm manifestações da doença, quase sempre dores articulares intensas que podem permanecer por mais de seis meses.
Leon ressalta que zika, dengue e chicungunha tanto agridem diretamente o sistema nervoso quanto funcionam como um gatilho para deflagrar um ataque do próprio organismo contra as células do sistema nervoso.
AMEAÇA GRAVÍSSIMA
O estudo coordenado pela neurologista reúne Unirio, UFRJ e Fiocruz e já tem 500 das 2 mil pessoas de todo o estado do Rio que serão acompanhadas por dois anos. Os cientistas querem saber, por exemplo, se existe algum fator genético que torna uma pessoa suscetível a desenvolver um quadro grave.
— Não sabemos se os vírus se tornaram mais agressivos ou se a epidemia se alastrou de tal forma que pessoas mais vulneráveis começaram a ser infectadas. O certo é que representam uma ameaça gravíssima para a saúde pública, principalmente porque o mosquito, sem saneamento, está incontrolável — explica Renato Santana, do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, que faz análises genéticas dos vírus no Rio.
Desde meados dos anos 2000 já se sabia que a dengue poderia evoluir em casos, até então considerados raros, para um quadro neurológico grave. Mas foi a zika, ao causar microcefalia e uma série de outras anomalias em bebês durante a gestação e síndrome de Guillain-Barré em adultos, que acendeu o alerta vermelho sobre o risco do vírus afetar o sistema nervoso. O seguinte a entrar na lista dos agressores do sistema nervoso foi o chicungunha. Zika e dengue são parentes — flavívirus, assim como o causador da febre amarela. Já o chicungunha é um alfavírus. Em comum, todos se propagam com o Aedes.
O risco de zika, chicungunha e dengue provocarem doenças neurológicas é destacado num recém-publicado estudo da revista “Memórias do Instituto Oswaldo Cruz”, assinado por cientistas da Secretaria de Saúde do Piauí e do Instituto Evandro Chagas, no Pará. A pesquisa mostra que, no estado, um terço dos casos de encefalites, encefalomielites, mielites e Guillain-Barré registrados entre 2015 e 2016 foi causado por dengue, zika ou chicungunha.
O Piauí acompanha com atenção especial a associação entre vírus e encefalites desde 2014 devido a um caso da doença provocado pelo vírus do Oeste do Nilo, um flavívirus como zika e dengue. O médico e pesquisador Marcelo Adriano Vieira, do Instituto de Doenças Tropicais Natan Portella, em Teresina, principal autor do estudo, reforça o alerta:
— Os médicos precisam considerar esses vírus no diagnóstico, pois isso muda o tratamento. Mesmo pessoas que não tiveram os sintomas convencionais de zika, dengue e chicungunha podem desenvolver a forma neurológica.
Vieira, que também já descreveu um caso de encefalite por zika sem sintomas da infecção, é um dos autores de um estudo que demonstra claramente a relação entre a estação chuvosa e o aumento dos casos de dengue, seguido por uma elevação de casos de doenças neurológicas.
— São doenças graves e nem sabemos ainda a extensão dos danos, pois apenas 10% dos casos são confirmados por testes sorológicos no país. Os exames são caros e pouco acessíveis. Nosso modelo de urbanização e falta de saneamento favorece o mosquito. Estamos diante de um dos grandes problemas de saúde no Brasil — salienta.
Fonte: G1
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