Doenças infecciosas vem desde o principio da evolução humana
29 de janeiro de 2020

Paleopatologia, o Estudo da Doença no Passado

Esta é uma exposição didática sobre paleopatologia, o campo de pesquisas que permite conhecer a história e a evolução das doenças.Reunindo informações sucintas e imagens de acervo de diferentes pesquisadores e instituições, nacionais e estrangeiras, essa mostra é uma tentativa de fazer chegar a públicos, especializados ou não, mais conhecimentos sobre esta área de pesquisas e alguns de seus interessantes resultados.

Diversos pesquisadores, dentro e fora da FIOCRUZ, colaboraram para a presente montagem, e sua participação encontra-se adequadamente creditada nas imagens.

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Paleopatologia: Estado da Arte e produção

O Departamento de Endemias Samuel Pessoa, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz mantém há mais de uma década um grupo de pesquisas voltado para o estudo do passado das doenças humanas.

Produzindo conhecimentos sobre a saúde e as condições de vida entre povos pré-históricos do Brasil e de outros países, esse grupo vem ajudando a contar a história da saúde, como ela se modificou, ao longo dos milhares de anos durante os quais a nossa espécie vem ocupando e explorando a terra, e modificando seus ambientes naturais.

O que é Paleopatologia?

É o estudo do passado das doenças, humanas ou de outros seres vivos, através dos sinais encontrados em partes conservadas de seus corpos, ou em textos escritos, representações de arte, objetos de diferentes naturezas, ambientes, estruturas ocupadas pelo homem ou outros testemunhos arqueológicos e paleontológicos.

Paleopatologia: Ossos do Ofício

Um desafio ao estudo do processo saúde/doença e suas relações com os modos de vida e os comportamentos do homem ao longo de sua longa trajetória evolutiva.

Ossos e múmias são os achados arqueológicos que mais frequentemente proporcionam material de pesquisa para a paleopatologia, pesquisada por especialistas em todo o mundo.

Conhecendo os Mortos

Em paleopatologia há uma expressão em que se diz que os mortos ensinam os vivos. De fato, estudando os mortos podemos saber muito sobre as pessoas e os povos desaparecidos.

Verificar sexo e idade dos indivíduos, estimar a mortalidade e a morbidade (as doenças ou agravos à saúde), perceber sinais de violência e quem sofria mais com isto, comprovar aspectos legados à nutrição e ao tipo de dieta utilizada, saber sobre as infecções e sua distribuição, e muitos outros aspectos da vida passada.

Estilos de Vida e Saúde nas populações pré-históricas

  • Práticas culturais violentas ou episódios de tensão social
  • Situações de estresse nutricional ou por infecção
  • Marcas de esforço ou de uso continuado do corpo
  • Ocorrências de endemias e epidemias
  • Técnicas e habilidades médico-cirúrgicas
  • Práticas culturais de modificação do corpo
  • Malformações e problemas hereditários
  • Expressões biológicas da hierarquia social
  • Padrões de parasitismo e deslocamentos populacionais
  • Emergência de doenças em períodos passados, etc.

Como é possível fazer essa pesquisa?

  • Admitimos que as doenças e a forma do corpo reagir não mudou do passado até hoje em dia
  • Utilizamos os conhecimentos clínico-patológicos para entender como a doença afetava o corpo
  • Identificamos todas as anormalidades no material (ossos, dentes, múmias, etc) pesquisado
  • Excluímos todos os problemas que podem ser causados pelo contato do material com o solo e outros elementos tafonômicos, ou seja, tudo o que ocorreu depois da morte, acidentalmente
  • Identificamos as lesões ou sinais de problemas ocorridos em vida e sua relação com as doenças

Temas de pesquisa desenvolvidas pela Fiocruz em parceria com o Museu Nacional

  • Estresse, doença e adaptabilidade em perspectiva biocultural
  • Estudos comparativo de traumatismos em populações pré-históricas
  • Estudos de marcadores de esforço físico em populações dos sambaquis brasileiros
  • Paleoepidemiologia das infecções: tuberculose
  • Paleoepidemiologia das infecções: estudo comparativo em populações sambaquieiras do litoral
  • Estudos em paleopatologia óssea de cetáceos
  • Foto aumentada de um crânio com fratura frontal.
  • Fonte: http://www.ccms.saude.gov.br/
  • ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO DAS DOENÇAS INFECCIOSAS NOS ÚLTIMOS 500 ANOS

    Adrelírio José Rios Gonçalves

    RESUMO

    Faz-se uma breve revisão histórica do desenvolvimento de algumas doenças infecciosas entre 1500 e os dias atuais, focalizando os fatos relevantes observados nesse período. Essa evolução segue uma trajetória na qual as dúvidas, as paixões pelo esclarecimento do desconhecido e as buscas incessantes da origem das coisas, o espírito de ciência e de sacrifício dos protagonistas desta escalada científica do homem são realmente emocionantes e invejáveis. As questões sem respostas persistem e os desafios são possivelmente ainda maiores, mas a vontade do homem aplicada em encontrar as soluções é digna da melhor parte desse ser inteligente, engenhoso e concentrado na busca, compreendida em seu sentido mais amplo.

    Palavras chaves:

    Doenças infecciosas – Infecções emergentes e re-emergentes – Desafios em doenças infecciosas – Contágios – Miasmas – Bactérias – Protozoários – Fungos – Vírus – Prions.

    SUMMARY

    CONSIDERATIONS ON THE EVOLUTION OF INFECTIOUS DISEASES DURING THE LAST 500 YEARS

    A brief revision is made of the development of some infectious diseases between 1500 and the present days, focusing the most significant events observed during this period. This evolution follows a path in which all the doubts, the passion for enlightment of the unknown, and also the spirit of sacrifice dedicated to the continuous searches for the origin of facts lived by the scientific minded protagonist of men’s ascent on the road of science are really moving and enviable. Questions remain unanswered and challenges are possibly greater, but men’s will applied to finding the solutions is worth the best efforts of this intelligent and ingenious being concentrated in searching when understood in it’s broadest meaning.

    A noção de que as bactérias são causa de doenças antecede à era bacteriológica iniciada por Pasteur e Koch, em torno de 1880. Trabalhos anteriores a estes pesquisadores procuravam esclarecer a natureza do contágio e dos miasmas.

    O contágio era compreendido como uma substância que, derivada do corpo do doente, passava de um indivíduo para outro, transmitindo a doença. Miasma era uma substância gerada fora do corpo que, espalhando-se por intermédio do ar, produzia a doença.

    Desta maneira a sífilis, de homem a homem, e a raiva, do cão ao homem, eram exemplos típicos de moléstias transmitidas por contágio.

    O impaludismo e a gripe eram doenças consideradas miasmáticas, ou seja, adquiridas pela permanência em lugares de ar pestilencial; razão esta dos nomes “mal-ária” (de mau ar) e influenza (ocasionada por influências atmosféricas).

    Fracastorius, em seu livro “De contagionibus et contagiosis morbis et eorum curatione”, de 1546, foi o primeiro a postular a idéia de que o contagium fosse devido a agentes vivos, os quais chamou de “seminaria”, criando, assim, a doutrina do “contagium vivum”.

    Em 1675, Leeuwenhoek, através de microscópio rudimentar por êle elaborado, vê microorganismos, levantando um alerta para essa micro-existência e, em 1762, o médico vienense Plenciz, reconhecendo a importância daquela descoberta, não só atribuiu aos animálcula a causa das doenças como também, a cada doença, o seu micróbio específico.

    Em notável livro de 1840, Henle expôs, com clareza, suas idéias sobre o contágio e o miasma, mostrando não haver diferença entre aqueles dois agentes infectantes que deviam ser considerados como agentes vivos. Desta maneira, o pus varioloso é constituído de pus somado ao contagium da varíola, o qual pode ser transmitido, quer diretamente por contato, quer espalhando-se através do ar. Por isso, era a varíola considerada como doença miasmático-contagiosa.

    Henle estabeleceu também as condições para que um agente particular fosse considerado causador de uma doença infeciosa. Era preciso, primeiro, ser o agente encontrado com constância no corpo do doente e, segundo, ser possível isolá-lo e, com tal agente isolado, poder-se reproduzir a doença.

    Koch, mais tarde, impôs aos bacteriologistas estes postulados que, pelo grande prestígio do pesquisador, passaram a ser reconhecidos com o seu nome (postulados de Koch). A implantação definitiva da origem microbiana das doenças infecciosas, ocorreu em 1878, após a comunicação por Pasteur e cols. sobre a teoria dos germes.

    Lister, cirurgião inglês impressionado com os trabalhos de Pasteur, instituiu o desenvolvimento da cirurgia anticéptica, através da desinfecção prévia do instrumental cirúrgico, do campo operatório e das mãos dos cirurgiões, sendo utilizado, para tal, o ácido fênico (1867).

    Vinte anos antes (1847) porém, em Viena, Semmelweis, estudando a infecção puerperal, observou que a mortalidade nas enfermarias em que trabalhavam estudantes era muito mais elevada do que nas enfermarias assistidas por parteiras.

    A morte de um colega vitimado por uma infecção contraída através de um ferimento durante uma autópsia levou Semmelweis à convicção de que a diferença acima referida se devia ao fato de que os estudantes vinham diretamente da sala de dissecções para a enfermaria, trazendo nas mãos micróbios ou agentes infectantes. Orientado a respeito e convencido desta idéia, Semmelweis passou a exigir dos estudantes a desinfecção das mãos em solução de hipoclorito e, com esta simples medida, fez baixarem os índices de mortalidade por infecção hospitalar de 12 para 1,2%.

    Em 1850, Davaine vê, em sangue de animais com carbúnculo, a presença de micróbios, enquanto Pasteur, em suas experiências relativas ao carbúnculo e à septicemia pelo vibrião séptico, desenvolve a teoria microbiana da infecção.

    Surgem a seguir os trabalhos de Pasteur sobre a etiologia da osteomielite e os Staphylococcus, na infecção puerperal, os Streptococccus piogenes e sobre a pneumonia lobar descrevendo o Diplococcus pneumoniae, todos os três em 1880.

    Seguem-se as duas grandes descobertas de Koch o Mycobacterium tuberculosis, em 1882, e o Vibrio comma em 1883, e entre 1862 e 1900, a descoberta por inúmeros pesquisadores de agentes tais como a Pseudomonas aeruginosa, Mycobacterium leprae, Clostridium septicum, Neisseria gonorrheae, Salmonella typhosa, Malleomyces mallei, Corynebacterium diphtheriae, Clostridium tetani, Escherichia coli, Neisseria meningitidis, Brucella melitensis, Salmonella enteritidis, Haemophilus ducreyi, Haemophilus influenzae, Clostridium perfringens, Pausteurella pestis e muitos outros agentes.

    Em 1885, William Osler descreve a etiologia bacteriana de muitos casos de endocardite, condição essa, na época, vista como mistura de várias patologeias.

    Em 1898, ocorre a descoberta do primeiro vírus filtrável patogênico para animais por Loeffler & Frosch, o vírus da febre aftosa; dois anos depois, em 1900, é descoberto o vírus da febre amarela por Reed e cols.; em 1905, por Schaudinn, do treponema da sífilis; já, em 1916, aparece o trabalho de Rocha Lima sobre a etiologia do tifo exantemático e os trabalhos de Inada e Ido, no Japão, descrevendo a etiologia da leptospirose (Leptospira icterohaemorrhagiae).

    Paralelamente a esses conhecimentos das infecções bacterianas, surgiram as primeiras referências sobre as micoses.

    Em 1854, Virchow criou a palavra micose, que persistiu pelas décadas até hoje, difundindo-se pelos recantos da patologia, servindo para designar as doenças produzidas por fungos.

    Em 1892, Posadas (um estudante de medicina argentino), ao observar um paciente com lesão úlcero-vegetante do dorso, que tivera o diagnóstico de micose fungóide, observou ao microscópio, em material colhido do enfermo, organismos esféricos de parede espessa, que continham diminutas formações arredondadas, os esporos.

    Em 1894 Posadas defendeu tese sobre esse paciente, tendo reproduzido a doença em animais de laboratório, produzindo-se neles extensas e graves lesões no baço, fígado e nos pulmões. Esse doente foi acompanhado por Posadas por cinco anos (até 1897) e, quando ocorreu o óbito, a realização da necropsia mostrou extensas lesões viscerais. Foi esse o primeiro caso de coccidioidomicose conhecido.

    Em 1893, Rixford, em São Francisco da Califórnia, observou o caso de um enfermo português, de cor branca que apresentava lesão ulcerosa cervical, parcialmente granulomatosa e parcialmente papilomatosa. No estudo microscópico do exsudato da lesão, encontrou grande número de corpos esféricos “com cápsula muito refringente” e multiplicando-se por endoesporulação. Tratava-se do segundo caso de coccidioidomicose.

    Gilchrist, em 1894, descreve a blastomicose norte-americana. No mesmo ano, Busse e Buschke, em Greifswalder (Alemanha), descrevem, em uma paciente jovem de 31 anos com “tumor” na perna esquerda, a blastomicose européia, após retirarem da lesão óssea pus viscoso que, ao exame direto e cultura, mostrava o parasito, representando este o primeiro caso de criptococose (nome atual).

    Esta paciente evoluiu com lesões cutâneas, apresentou antes do óbito hemocultivos positivos e na necropsia realizada em dezembro de 1894, foram encontradas lesões ósseas, pulmonares, esplênicas, renais e cutâneas.

    Em 1905, Samuel Darling, que trabalhava na Zona Americana do Canal do Panamá, no Ancon Hospital, interessado no encontro de esplenomegalias febris à cata de casos de calazar, descreveu histoplasmose disseminada (com comprometimento esplênico, de medula óssea e dos pulmões).

    Guilherme Seeber, também estudante de medicina argentino, também no laboratório do Prof. Wernicke, descreve pela primeira vez, em paciente com pólipo nasal, a rinosporidiose; nos cortes da lesão, foram encontrados numerosos parasitos arredondados cheios de esporos nos elementos maduros.

    Em 1908, Adolpho Lutz publicou, no “Brazil Médico”, duas observações que inauguraram os estudos da, inicialmente “blastomicose brasileira” e “blastomicose sul-americana”, hoje paracoccidioidomicose. Já nessa primeira referência, Lutz separou-a da doença de Posadas-Wernicke, ou seja, distinguiu-a da coccidioidomicose.

    A cromoblastomicose ou cromomicose, foi descrita em 1911, em São Paulo, por José Maria Gomes e Alexandrino Pedroso; sendo descrita em Recife, por Jorge Lobo, em 1931, a blastomicose de Jorge Lobo ou lobomicose, ou ainda, blastomicose queloidiana.

    Em relação às protozooses, houve a notável contribuição de Carlos Chagas, descrevendo de maneira soberba, em 1909, a doença que leva seu nome.

    Antes, muito antes desses conhecimentos, alguns fatos relativos às doenças infecciosas eram conhecidos por observações, através dos tempos, de que certas doenças desse grupo não se repetiam no mesmo indivíduo, e de que o primeiro ataque conferia imunidade, segundo acontecia em enfermidades como varicela, sarampo, caxumba, coqueluche, febre tifóide, escarlatina, tifo exantemático e febre amarela; ao passo que outras, conforme, por exemplo, blenorragia, gripe, pneumonia, erisipela, furunculose e tétano, não deixavam, após um primeiro ataque, imunidade duradoura.

    Os chineses e indus observaram, de longos tempos, que a inoculação artificial do vírus contido nas pústulas dos variolosos (variolização) produzia doença relativamente benigna, que deixava sólida imunidade.

    Em fins do século XVIII, Jenner introduziu a vacinação contra a varíola humana (small pox), por meio do vírus da varíola bovina (cow pox), que é um vírus naturalmente atenuado e que Pasteur conseguiu produzir, em 1882, pela injeção de vírus artificialmente atenuados, como na cólera das galinhas, na raiva e no carbúnculo hemático.

    Nasciam os primeiros experimentos sobre as vacinas. Têm origem nessas tentativas as modernas técnicas de imunização, abrindo-se perspectivas extraordinárias no controle e mesmo na erradicação de algumas doenças infecciosas preveníveis por vacinação; capítulo este da medicina, na atualidade, em franco progresso e em ebulição de idéias e conquistas.

    Em 1888, a imunologia lança suas bases com os trabalhos de Metchnikov sobre a teoria celular (fagocitose) e de Buchner, sobre a teoria humoral da imunidade.

    No século passado e em boa parte deste, doenças como a varíola, a tuberculose, a hanseníase, a sífilis, as febres entéricas (tifóide e paratifóide), o tifo exantemático, particularmente nos períodos críticos das guerras, as pneumonias, septicemias, meningites, o cólera e a malária, além de dizimarem populações, deixavam em muitos dos sobreviventes graves seqüelas. São ainda lembrados famosos ditos da época, como: “o coração tocava o compasso de uma marcha fúnebre”. Nos enfermos com endocardite infecciosa, era a frase do nihilismo terapêutico de Osler.

    Após o surgimento dos sulfamídicos, no início do século, com a descoberta de sua ação terapêutica por Domagk, na década de 1930 e a dos antibióticos a partir do início da década de 1940, o prognóstico da grande maioria das doenças infecciosas melhorou extraordinariamente e verdadeiros milagres tornaram-se realidade.

    Iludiram-nos notavelmente contudo os antimicrobianos; esperava-se deles uma ação profilática muito maior do que a obtida. Outro grave equívoco, que continua sendo cometido, sua utilização em larga escala, sem critérios bem definidos, e seu uso desnecessário e abusivo, muda-lhes o papel, com o passar dos tempos, de benéfico em pernicioso, transformando-os provavelmente em origem e maior causa do gravíssimo problema da resistência bacteriana em todo o mundo. Fleming, já em 1928 quando descobriu a penicilina, relatou que ocorria resistência à mesma por algumas cepas de estafilococos.

    Vêm ocorrendo grandes avanços nas áreas básicas de patologia e nos estudos sobre patogenia, imunologia, bacteriologia, virologia, parasitologia, micologia, e biologia molecular (esta última com quebra de dogmas e concepções sobre as menores partículas de vida).

    Ampliaram-se os estudos referentes às relações hospedeiros/parasitos, desenvolveram-se os conhecimentos sobre as modificações de vetores e de agentes transmissores de doenças, bem como os concernentes às transformações ocorridas nos agentes etiológicos e nas maneiras de aquisição de doenças infecciosas, sendo incrementados ainda os conhecimentos relativos aos novos nichos ecológicos de patógenos tradicionais, surgindo também novas classes de hospedeiros – os imunossuprimidos.

    Todo esse progresso, nesta última metade de século, chegou acompanhado de desafios nunca antes enfrentados pelo homem desde sua origem.

    Desenvolvimentos notáveis vieram paralelamente acontecendo nos recursos diagnósticos das doenças infecciosas, surgindo também novos critérios para definição de caso.

    Maiores e mais adequados conhecimentos dos ecossistemas e da origem das doenças por quebra de equilíbrio, em uma única ou em várias faces dos mesmos, mostram-nos a necessidade de adaptação e de equilíbrio com a natureza, nos mínimos aspectos, de uma forma genérica e plena, porém mais particularmente nos processos de colonização de áreas ou de realização de grandes obras que interferem na ecologia, seja regional ou de extensas áreas do globo.

    Nestas últimas cinco décadas, vem sendo descrita toda uma série de novas patologias infecciosas no homem, de novos agentes etiológicos, com mudanças sucessivas em suas nomenclaturas, na medida em que novos conhecimentos afloram; mudanças estas que se processam não somente nos agentes tradicionais, conhecidos de longos tempos, como naqueles recentemente descritos.

    São reconhecidas etiologias para entidades cujos agentes permaneciam obscuros, surgem novas manifestações clínicas em doenças tradicionais e encontram-se explicações para fenômenos cujas origens eram nebulosas.

    Ocorreram transformações nas formas de transmissão de moléstias infecciosas assim como nas possibilidades diagnósticas, surgindo também, muitas e muitas formas novas de abordagens terapêuticas da maioria das moléstias infeciosas.

    Todas estas mudanças têm causas diversas, mas poderíamos agrupá-las, conforme sejam oriundas, sob os seguintes tópicos:

    1. Progressos médicos.
    2. Movimentos migratórios globais ou mesmo regionais, muitos deles vistos em nosso território, causando expansão e deslocamento de doenças, em função de múltiplos mecanismos.
    3. Mudanças nos comportamentos sociais do homem, como hábitos sexuais, uso de drogas ilícitas, atividades recreativas (com risco para uma série de doenças como riquetsioses, leptospirose, arboviroses, malária, leishmanioses, histoplasmose. coccidioidomicose, etc.), peculiaridades culinárias de risco, etc.
    4. Desequilíbrios ecológicos.
    5. Nos países do terceiro mundo, a miséria, a ignorância, a fome a desnutrição, a falta de higiene e de saneamento de base, os problemas educacionais, a carência de verbas e de políticas para a saúde e o bem estar social, a precariedade de cuidados primários de saúde, de programas de imunização, de empregos, salários e habitações, a violência de toda sorte, a quase total privação do respeito aos direitos do homem e da criança, as guerras, revoluções e instabilidades políticas com suas seqüelas, aliadas aos regimens ditatoriais.

    Esta enumeração reúne alguns dos ingredientes perfeitos e sinérgicos para endemias, epidemias, e enraização de doenças as mais variadas, mormente em países onde, infelizmente, sendo a vida humana destituída de valor, o sofrimento do indivíduo torna-se uma tragédia permanente e a sobrevivência uma árdua tarefa. Podemos atribuir-lhes grande responsabilidade pela emergência ou re-emergência de doenças no mundo.

    Estes aspectos nos mostram a atual complexidade das doenças infecciosas, as imensas dificuldades no exercício da medicina, a cargo da missão impossível, em algumas regiões da terra, de conseguir assegurar saúde para suas populações. São fatos sugestivos de lições para a educação médica, levando em conta, as priorizações de cada região ou de cada nação.

    Entre as doenças novas, citaríamos a SIDA/AIDS, pandemia, com toda sua corte de epidemias, como tuberculose; pneumocistose; toxoplasmose, criptococose e citomegalovirose disseminadas; micobacterioses atípicas; monilíase mucocutânea; protozooses e outras parasitoses intestinais; coccidioidomicose disseminaada; histoplasmose disseminada e tumores a ela relacionados. Novos agentes produtores de diarréia infecciosa foram identificados como o Campilobacter, os rotavírus, a Eschirichia coli enterotoxigênica, a Yersinia enterocolítica. os criptosporídeos, etc.

    Quem, há trinta anos atrás, haveria de dizer que agentes infecciosos teriam relação com a úlcera péptica, a gastrite crônica e o próprio câncer de estômago, como é o caso do Helicobacter pilori?

    A relação, conhecida já de alguns anos, do HTLV I e II com leucemias, paraparesia espástica tropical e linfomas. O reconhecimento progressivo de agentes de hepatites virais, A, B, C, delta, E, G, etc. a relação do vírus de Epstein Baar com o linfoma de Burkitt e, ainda, o agente da síndrome da fadiga crônica, entidade com critérios recentemente elaborados para seu reconhecimento. A etiologia viral de alguns casos de diabetes mellitus tipo I é já bastante conhecida.

    Em muitos países ricos são cada vez mais reconhecidos casos importados de AIDS, malária, leishmanioses, filarioses, tuberculose, doença de Chagas, esquistossomose, hanseníase, em conseqüência dos movimentos migratórios intensos advindos das dificuldades de sobrevivência nas regiões menos desenvolvidas. Fica em torno de 200 milhões de casos a ocorrência anual da malária, com cerca de, pelo menos, 1.000.000 de mortes, principalmente de crianças na África.

    Novos tipos de hospedeiros surgiram constituindo-se em verdadeiras populações de risco, acompanhando os progressos médicos, sendo verdadeiros subprodutos da alta tecnologia, como os transplantados de órgãos, os que fazem imunossupressão para neoplasias várias, corticoterapia para doenças autoimunes, asma brônquica grave, portadores de próteses, de cateteres profundos de uso prolongado para tratamento de neoplasias, os enfermos com HIV ou com SIDA/AIDS, hepatopatas crônicos em uso de imunossupressão, hemodialisados, etc.

    Alguns agentes mudaram de características biológicas, como o Staphylococos aureus e o Streptococcus pyogenes , que passaram a produzir toxinas responsáveis pela síndrome do shock tóxico, descrita inicialmente por Todd e cols. e, mais tarde, pelo Centers for Diseases Control (CDC), com forma epidêmica e ligada ao uso de determinados tampões vaginais.

    Também doenças como a leptospirose, com mudanças de comportamento clínico, conforme observadas em nosso meio e em nossa própria experiência, com hemoptises maciças e síndrome de angústia respiratória do adulto, ambas produzindo mortes precoces e tornando-se as principais causas de óbito nesta patologia, fatos que não ocorriam entre nós no passado.

    Foram notáveis as mudanças observadas nos padrões epidemiológicos e clínicos da SIDA/AIDS, em curto período da epidemia. Com a terapêutica anti-retroviral a doença tornou-se de evolução crônica, com melhora da imunidade e portanto das infecções oportunistas já atenuadas ou prevenidas pela profilaxia primária ou secundária das mesmas.

    As medidas preventivas de conscientização sobre a doença provocaram redução do número de casos em muitos países, no entanto, nos países subdesenvolvidos, tais medidas não surtiram os efeitos desejáveis, mesmo porque, em muitos deles, nem chegaram a ser implantadas.

    A epidemia continua portanto em evolução e expandindo-se, principalmente nas populações pobres, crescendo entre as mulheres, na infância por dificuldades de profilaxia na transmissão vertical e em usuários de drogas venosas e heterosexuais promíscuos.

    Grandes esforços têm sido feitos entre nós para diminuir a transmissão vertical e estudos complexos estão em andamento, na procura de melhoramento.

    Estamos convivendo com dois padrões da SIDA/AIDS, um de pacientes tratados e controlados, vivendo em boas condições, e outro grupo, ainda muito importante, representado pelos pacientes que chegam aos hospitais para diagnóstico, portando infecções e ou tumores ligados à SIDA/AIDS, infelizmente permanecendo muito numeroso em nosso país.

    É evidente que, para o Ministério da Saúde, são necessárias grandes somas de recursos para tratamento desta condição; e a divisão das parcas somas existentes com outras áreas de doenças endêmicas torna-se grandemente complexa.

    As campanhas de profilaxia têm sido tímidas e a entrada da SIDA/AIDS nas classes sociais pobres aumenta a dificuldade e complexidade de resultados, por falta de adesão às mesmas.

    Alterações imunológicas, com importantes repercussões clínicas, foram reconhecidas nestas últimas quatro décadas, principalmente na hanseníase, na endocardite infecciosa (E.i.), nas leshmanioses, na malária, na esquistossomose, em septicemias e em infecções virais, fúngicas e parasitárias diversas.

    Novos aspectos e mesmo síndromes novas foram descritas em algumas doenças infecciosas. Na endocardite infecciosa, foram reconhecidas novas síndromes, como a E.i. em próteses valvares, a endocardite dos usuários de drogas venosas, a dos pacientes idosos, a dos hemodialisados, a endocardite no contexto das infecções hospitalares, a endocardite por germes multirresistentes, nos imunossuprimidos não HIV e com infecção HIV ou com “full blown syndrome”.

    A E.i. é uma entre as condições que mostram a necessidade de critérios de definição para o diagnóstico, tendo, recentemente, Durack e cols. critérios novos, idealizados para tal.

    No que diz respeito às terapêuticas imunossupressoras, e à própria SIDA/AIDS, surgem a cada momento problemas e questionamentos de correlação com patologias endêmicas como a tuberculose, criptococose, histoplasmose, paracoccidioidomicose, hanseníase, doença de Chagas, esquistossomose, leishmanioses, estrongiloidíase e muitas outras.

    Muitos destes aspectos já são conhecidos como: a AIDS e a imunossupressão reativando estes processos e originando formas agressivas e fatais.

    Há, na doença de Chagas, por exemplo, a imunossupressão pós-transplantes cardíacos reativando-a e limitando tais procedimentos, na AIDS, reativando-a e também produzindo lesões neurológicas, de pele e de sistema nervoso central, imitando outros processos, tais como abscesso cerebral, tumores cerebrais, tuberculoma, toxoplasmoma, criptococoma, histoplasmoma, coccidioidoma, etc.

    Algumas particularidades são interessantes. Por exemplo, por que, na associação SIDA/AIDS com + tuberculose, não presenciamos maior freqüência de casos de meningoencefalite tuberculosa? Por que não vemos mais casos de estrongiloidíase disseminada na SIDA/AIDS?

    A sífilis em paciente com SIDA/AIDS atinge o sistema nervoso mais precocemente, sendo este um fato bem reconhecido, existindo mesmo, recomendações a respeito desta associação e da necessidade de investigação de neurolues precoce. A sífilis maligna precoce aumentou de freqüência após o surgimento da SIDA/AIDS.

    A co-infecção HIV e HTLV1 produz alterações na imunidade para infecções oportunistas interessantes, como por exemplo o surgimento de pneumocistose pulmonar com taxas de CD4 iguais ou superiores a 400 células/mm 3 , diferentemente das observadas nos pacientes apenas com o HIV, nos quais as infecções oportunistas pelo P. carinii surgem com taxas de DC4 geralmente inferiores a 200 células/mm3.

    Diante, hoje, de qualquer caso clínico complexo, temos que responder à situação do HIV no paciente em questão. Antes da eclosão da SIDA/AIDS, várias situações médicas cresciam de importância, assumindo a liderança das preocupações.

    Referiam -se basicamente: à ameaça crescente e às dificuldades de controle, tratamento, morbidade e letalidade das infecções hospitalares, à infecção nos imunossuprimidos, bem como à crescente e assustadora problemática referente à resistência bacteriana.

    Nos dias atuais, para culminar estas preocupações, somaram-se os estafilococos e bactérias Gram-negativas entéricas multirresistentes, os enterococos multirresistentes, os pneumococos somente sensíveis à vancomicina, o surgimento de estafilococos resistentes à vancomicina, as pseudomonas multirresistentes, os bacilos de Koch resistentes a uma, duas ou mesmo às três drogas mais usadas em seu tratamento, e ainda a resistência de muitos fungos a seus agentes terapêuticos, esses mesmos problemas acontecendo também com vírus como os da SIDA/AIDS e outros.

    Além disso, patógenos tradicionais como estafilococos, bacilos entéricos Gram-negativos aeróbios e anaeróbios, enterococos, pseudomonas, legionelas, acinetobacter, Serratia, com novos comportamentos, tornaram-se geradores de infecções hospitalares, com novos e multivariados nichos ecológicos nesses ambientes.

    Somente nas últimas décadas, as infecções produzidas por anaeróbios não esporuladores, foram melhor esclarecidas, com os trabalhos de Gorbach, Bartlett, Finegold e outros, recebendo a enterocolite pseudomembranosa definição de sua etiologia (Clostridium difficile), por Bartlett.

    Diferente do clássico, ligado à contaminação e produção de toxinas em alimentos enlatados, passou a ser reconhecido o botulismo infantil, que se apresenta em crianças entre um e nove meses, exteriorizando-se com presença de choque e doença neuroparalítica (flacidez e hipotonia), pela produção de toxina do C. botulinum, que coloniza o trato intestinal dessas crianças, estando alguns casos associados à ingestão de mel.

    De reconhecimento recente, é a osteomielite de pequenos ossos dos pés, que surgiu após a difusão do uso de tênis como calçado, hábito êste que se universalizou. Pseudomonas aeruginosa colonizam as fibras dos tênis por umidade local e qualquer forma de trauma, principalmente os perfurantes, e levam-nas às estruturas ósseas.

    Assuntos da mais alta relevância e extremamente atuais são os ligados ao número crescente de antibióticos, quimioterápicos, drogas antivirais e antiparasitárias diversas e suas interligações, seus efeitos antagônicos, suas ações sinérgicas e/ou conseqüentes alterações metabólicas, suas ligações e/ou interferências com outras drogas diversas, sendo necessário, no momento atual, que tenhamos sempre à mão guias informativos descritivos de interações medicamentosas, principalmente em se lidando com enfermos com SIDA/AIDS e suas diversas necessidades de terapia.

    A síndrome mononucleosiforme, classicamente devida mais à mononucleose infecciosa, à toxoplasmose e à citomegalovirose, tornou-se mais complexa, sendo acrescidas, à lista de suas causas, outras mais etiologias, como rubéola, hepatites virais, infecção pelo HIV, doença aguda de Chagas e outras.

    Há descrições de várias doenças infecciosas novas, como a síndrome de Beaver (larva migrans visceral); a citomegalovirose; a ehrlichiose; a babesiose, produzida pela B. microti tendo como reservatórios os ratos silvestres (Peromyscus leucopus); a doença de Kawasaki (provavelmente de origem infecciosa viral); a doença de Lyme; a febre purpúrica brasileira (Hemophilus aegypti); a otite externa maligna por Pseudomonas aeruginosa e outros agentes; a meningoencefalite por amebas de vida livre (Naegleria fowleri e Acantameba sp.); a estrongiloidíase disseminada pela utilização de corticosteróides; a angioestrongilíase; a síndrome do choque endotóxico por Gram negativos entéricos descrita por Waisbren na década de 50; a doença da arranhadura do gato desta mesma década; a adiaspiromicose pulmonar; a doença dos legionários; as pneumonias por clamídeas; a paraparesia espástica tropical e alguns tipos de linfomas relacionados a infecções pelo HTLV-1; a relação do retrovírus HTLV-2 com alguns tipos de leucemias; as diarréias por Vibrio para-hemolíticcus e cepas novas de Vibrio cholerae 0139, com surtos epidêmicos na Índia, Bangladesh e Paquistão; a hepatite delta e a relação desse vírus com o vírus da hepatite B; vários outros agentes de hepatites virais, como os vírus das hepatites C, G e E; a grandeza agora reconhecida da hepatite C e sua epidemiologia marcante com episódios de transfusões sanguíneas e utilização de seringas compartilhadas entre usuários de drogas venosas, além de sua transmissão sexual, seguramente menor do que na hepatite B – estas duas formas de hepatites virais, a B e a C, tendo um componente de transmissão importante ainda desconhecido que pode chegar a 40% dos casos; o reconhecimento das etiologias da doença da arranhadura do gato (B. henselae e B. quintana) e da angiomatose bacilar por bactérias argirófilas do gênero Bartonella (B. henselae); também o reconhecimento da etiologia da roséola infantum (exantema subitum) pelo vírus do herpes tipo 6; a etiologia do eritema infeccioso pelo parvovírus humano B 19; assim como a crescente etiologia viral (Parvovirus, vírus da Hepatite B, Vírus Epstein-Baar, Coxsackie B, Citomegalovírus, vírus Herpes 6) da “síndrome purpúrica papular em luvas e meias”, recentemente descrita na Suiça em 1990 por Harms e cols.

    Uma série de viroses hemorrágicas pertencentes a várias famílias de vírus, como Flavivirus e transmitidas por picadas de carrapatos foram reconhecidas a partir da década de 1950, como por exemplo a doença da floresta de Kyasanur e a febre hemorrágica de Omsk, respectivamente na Índia e na Sibéria; a febre hemorrágica da Criméia-Congo, também por picada de carrapato e produzida por vírus da família Bunyaviridae.

    Doenças hemorrágicas causadas por Arenavírus, como o vírus Junin na Argentina, Machupo na Bolívia, Guanarito na Venezuela, Sabiá no Brasil; e a febre de Lassa na África, tendo como reservatórios roedores silvestres contaminando o homem por vírus excretados nas dejeções ou em tecidos ressecados que, após a morte dos mesmos, infectam via partículas aerossolizadas.

    Febres hemorrágicas autoctones e oriundas da África, como as ligadas a vírus da família Filoviridae, como nos casos das febres hemorrágicas Marburg e Ebola.

    A doença de Marburg, descrita em 1967 na Alemanha e na Iugoslávia, ligada à manipulação de tecidos de macacos verdes, provenientes da África, e usados em fabricação de vacinas, com casos de adoecimento e morte de indivíduos que trabalhavam com órgãos desses animais importados.

    O vírus Ebola, epidêmico no Sudão e Zaire em 1976, cuja origem foi traçada como proveniente de contato com doentes internados por doença hemorrágica grave no Zaire, tem um componente importante, o de ser transmitido por agulhas contaminadas usadas em injeções. A doença repetiu-se em 1979, no Sudão, e mais recentemente em 1995, novamente no Zaire, desconhecendo-se a origem da mesma.

    A febre hemorrágica com síndrome renal produzida por Hantavirus da família Bunyaviridae, isolados de ratos silvestres, na Korea, onde a doença é endêmica. Esta é uma entidade da Europa e Ásia, que se caracteriza por febre, dilatação capilar, manifestações hemorrágicas e, em casos graves, também por shock e insuficiência renal aguda.

    Além de nos roedores silvestres como o Apodemus agrarius, a infecção viral foi também identificada em Rattus rattus e Rattus norvegicus, em vários países como o Japão, Korea, Bélgica e Brasil, países onde vários casos humanos já foram identificados, sendo a doença no homem muito semelhante à leptospirose anictérica.

    Recentemente foram descritos nos Estados Unidos da América do Norte, casos de uma infecção aguda viral, com insuficiência respiratória grave e, em alguns casos, fulminante, por Hantavirus da família Bunyaviridae, cuja transmissão se processa através das excretas ou tecidos ressecados de roedores silvestres mortos, como os Peromyscus maniculatus, Peromyscus leucopus e Sigmodon hispidus.

    Esta condição tem sido reconhecida em vários países da América do Sul, inclusive no Brasil. Na Argentina, um surto epidêmico recente sugere a transmissão inter-humana (de doente a sadio).

    Foi descrita nestes últimos 50 anos uma série enorme de arboviroses, pertencentes a cinco famílias – Togaviridae, Flaviviridae, Bunyaviridae, Rhabdoviridae e Reoviridae – tendo a transmissão possibilitada por picadas de mosquitos e carrapatos. Tais viroses são causadoras de febre, rash e ou poliartrite; outras causando infecção aguda do sistema nervoso central e encefalite.

    Ashbaugh e cols., em 1967, descrevem a síndrome de angústia respiratória do adulto que, quando presente em qualquer quadro infeccioso, ensombrece o prognóstico do enfermo.

    Os conceitos de falência multiorgânica são da década de 1980 e, quando três ou mais órgãos são acometidos e demonstram insuficiência, o prognóstico é reservado, independentemente da sua etiologia. Falência cárdio-circulatória e respiratória em infecções denunciam poucas chances de sobrevivência.

    Também nestas últimas cinco décadas, as uveítes infecciosas passaram a ser mais compreendidas e estudadas e, em 1971, foi descrita no Japão, por Urayama e cols., a síndrome da necrose aguda da retina, doença inflamatória do/s olho/s, que com freqüência conduz, em poucos dias ou semanas, a sérias dificuldades visuais, com retinite aguda periférica necrosante, arterite de retina e panuveíte. Podendo complicar-se amiúde de descolamento de retina com perda visual e sendo caracteristicamente observada em indivíduos sadios. Esta síndrome é produzida por vírus do grupo herpes simples e varicela-zoster, hoje com amplas possibilidades terapêuticas.

    No início da SIDA/AIDS, fase em que ainda não existiam as drogas anti-retrovirais ou quando eram escassas aquelas preliminarmente usadas para seu tratamento, as terapêuticas das infecções oportunistas estavam sendo ajustadas e os pacientes tinham curto período de sobrevivência.

    Ao surgirem as primeiras drogas antivirais e ao adequarem-se as terapêuticas para as doenças que os conduziam à morte, prolongando-se-lhes a vida, tornaram-se mais freqüentes as retinites, com cegueira, por citomegalovírus, na época, uma das principais causas, se não a mais importante, de perda de visão em pacientes jovens.

    No entanto, eficazes drogas atuais contra o CMV e novas técnicas para o tratamento da retinite causada por esse vírus, obtiveram uma notável diminuição dessa recente causa de cegueira.

    No campo das doenças sexualmente transmissíveis, enquanto há cerca de 40 anos estudávamos apenas cinco moléstias dessa natureza, na atualidade, observamos mais de 20, sendo três delas pandêmicas, como a SIDA/AIDS, o herpes genital e a hepatite B.

    A varíola foi extinta da face da terra pela Organização Mundial de Saúde (OMS), num programa de dez anos (1967-1977), e o vírus da varíola é hoje preservado apenas em alguns laboratórios; e os problemas representados por sua extinção completa são, além de outros, de ordem ética.

    Exemplos de doenças ligadas a alterações nos costumes sociais e estilos de vida do homem podem ser citados sob vários prismas e escalas. Assim vejamos. O uso abusivo de drogas ilícitas por via venosa transmite hepatites B e C’, septicemias, endocardites bacterianas e fúngicas, tétano, malária, infecções pelo HIV, e possivelmente pelo HTLV1- e HTLV-2, etc.

    A força de trabalho e a necessidade de rendimentos, nas últimas décadas, têm levado as mulheres à participação cada vez maior em tarefas fora do lar, acarretando a necessidade da criação de creches universais.

    Têm-se originado nesses locais epidemias nas crianças, através de contacto íntimo e prolongado entre si, havendo relatos de tais eventos por viroses respiratórias, varicela, hepatite A, salmonelas, shigelas, criptosporídeos, rotavírus, giardia, campilobacter, infecções por estreptococos do grupo A, por hemófilos, enteroviroses, etc.

    Hábitos alimentares orientais usando peixes crus (sushi) e crustáceos crus ou semicrus, têm-se alastrado por todo o globo. A difusão desses hábitos faz-se acompanhar de uma série de parasitoses no homem, como: infestações por Anisakis e Phocanemia decipiens, Capillaria philippinensis, Opistorchiasae (O. viverini, O. felineus), Clonorquis sinensis, Gnasthostoma spingerum, Diphillobothrium latum.

    O hábito de ingerir plantas aquáticas ou subaquáticas (agrião e outras), ou vegetais crus pode produzir infestações, por exemplo, pela Fasciola hepática e gigântica; a ingestão de crustáceos crus pode levar à infestação pulmonar por Paragonimus westermani, etc.

    Atividades recreativas e operárias podem expor o homem a infecções por leptospiras, riquetsias, malária, esquistossomose, leishmanioses, arboviroses, histoplasmose, coccidioidomicose, larva migrans visceral, etc.

    Impressionante no entanto, tem sido o impacto produzido pelo progresso médico sobre as moléstias infecciosas. Se de um lado doenças tais como sarampo, tétano, rubéola e rubéola congênita, coqueluche, difteria e caxumba e doenças invasivas por hemófilos, praticamente desapareceram de muitas regiões desenvolvidas, surgiram nessas mesmas regiões problemas tais como as infecções nos transplantados, a imunossupressão por medicamentos e infecções várias, e infecções que complicam corpos estranhos, como catéteres, próteses, shunts, etc.

    Também com os progressos médicos, surgiram novas maneiras de transmissão de doenças, como as observadas por transplantes de córnea; a raiva e a doença de Creutzfeldt-Jacob, a doença de Creutzfedt-Jacob com enxertos de duramater de cadáver e em usuários de hormônio do crescimento de origem humana.

    São transmitidas por transplante de órgãos, SIDA/AIDS, assim como citomegalovirose e toxoplasmose, doença de Chagas, etc; por inseminação artificial, a SIDA/AIDS e hepatite B, bem como septicemias por fungos oportunistas e ou bactérias, também em catéteres usados de forma prolongada para tratamento de neoplasias ou para hiperalimentação parenteral.

    Processam-se infecções por acantameba sp, fusarium s. e nocardia sp. em lentes de contatos além de muitas outras formas de produção de infecções por procedimentos vários.

    Na era atual, um terço da população mundial está infectada pelo Micobacterium tuberculosis, sendo esta doença uma das patologias re-emergentes no mundo.

    Algumas infecções têm reemergido como a tuberculose (entre nós e em outros países subdesenvolvidos, esta deixa de ser uma afirmação correta, pois nestes locais a tuberculose nunca havia desaparecido), a sífilis, a cólera, a malária em algumas regiões, a dengue e agora o dengue hemorrágico.

    Outras têm emergido, como a SIDA/AIDS (em muitas regiões, ainda em expansão epidêmica), a hepatite C como uma conseqüência da descoberta de seus marcadores e de suas altas taxas evolutivas para formas crônicas, a despeito de alguns progressos terapêuticos obtidos com alguns tipos de interferons e da ribavirina, a coccidiose como o Cyclospora (gênero com várias espécies), infecção pelo Herpes-simplex-II, febres hemorrágicas virais e Hanta virus nas Américas, a encefalite Califórnia-La Crosse, a Ehrlichiose, infecções por Bartonella, tuberculose por bacilos multirresistentes, diarréias por Campilobacter jejuni e cepas de E. coli 0157:H7, uma variedade crescente de microbactérias atípicas, além de muitas outras patologias.

    Distúrbios ecológicos de ecossistemas, que interferem no equilíbrio entre reservatórios, vetores de doenças, agentes etiológicos e o homem estão relacionados a uma série de patologias, como a doença de Chagas, leishmanioses, dengue, esquistossomose e febres hemorrágicas por Arenavirus, Hanta virus e outros, além de muitas outras patologias humanas.

    Capítulo fascinante e de notável desenvolvimento nestas últimas cinco décadas, é o ligado às infecções virais lentas do sistema nervoso central e às patologias neurológicas, do homem bem como de animais, produzidas por prions que, de uma forma simples, poderiam ser definidas como as menores partículas de vida, muito inferiores aos vírus, DNA e RNA. Tratariam-se de proteínas replicantes e infectantes, tendo o termo – prions – sido criado por Prusiner, grande estudioso da matéria, por longos anos.

    A expressão “infecção lenta” foi criada por Bjorn Sigurdsson, para definir um grupo de doenças transmissíveis de carneiros e caracterizadas por um período de incubação e curso medido em meses ou anos, diferente das infecções virais e bacterianas, que comumente têm períodos de incubação curtos e evolução rápida.

    Foram reconhecidas várias doenças humanas, de etiologia também viral e por prions, com estas mesmas características.

    Embora estudadas de forma agrupada, por sua natureza lenta ou crônica, estas várias patologias são de fato heterogêneas, no que diz respeito às suas manifestações clínicas, à sua etiologia e patogenia e aos seus achados neuropatológicos; ainda que exibam fenômenos inflamatórios, algumas delas na patologia e outras tanto clinicamente como na patologia, fazendo-as assemelharem-se mais a doenças degenerativas e hereditárias do sistema nervoso.

    Duas das doenças de carneiros nas quais Sigurdsson firmou seu conceito de infecção lenta, Visna e Scrapie, têm do lado humano, patologias similares.

    Visna é uma patologia causada por um retrovírus de carneiros e tem na espécie humana, doenças representantes neurológicas, também por retrovírus, similarmente são: as causadas pelo vírus da síndrome de imunodeficiência humana, o HIV-1, que ocasiona o complexo relacionado à SIDA/AIDS, e outro retrovírus da espécie humana, o vírus linfotrópico de célula T tipo I, o HTLV-I, que produz a paraparesia espástica tropical.

    O scrapie tem na raça humana as seguintes doenças por prions. Em primeiro lugar o Kuru (tremer por medo), tendo seu agente etiológico, patogenia, evolução clínica e achados neuropatológicos sido estudados e esclarecidos pelo notável trabalho de Gajdusek, feito entre as populações Fore, indígenas praticantes do canibalismo (hábito mais freqüente entre mulheres e crianças), habitantes das montanhas de Papua (na Nova Guiné), que sobretudo em razão de mulheres e crianças canibais apresentarem, com maior freqüência, demência progressiva, disfunção cerebral e evolução fatal dentro de dois anos, levaram Gajdusek a realizar sua notável contribuição científica sobre a natureza e a origem do Kuru.

    A segunda patologia humana priônica é a doença de Creutzfeldt-Jacob, desordem de evolução subaguda do sistema nervoso central, caracterizada por demência progressiva, mioclonias e achados eletroencefalográficos e patológicos bem distintos. A terceira e quarta das moléstias priônicas humanas são a síndrome de Gerstmann-Straüssler-Scheinker e a insônia familiar fatal, que se constituem nas encefalopatias espongiliformes.

    Recentemente na Inglaterra, fazendeiros passaram a alimentar o gado bovino com ração de restos e carcassas de ovelhas e carneiros, originando a passagem do prion entre espécies, tendo surgido a doença da vaca louca e, também, as possibilidades de passagem do gado bovino para a espécie humana, pelo consumo da carne bovina através dos beefs, etc., levantando-se grande polêmica sobre a matéria.

    Algumas doenças de etiologia viral, reconhecidas realmente como infecções por vírus lentos do sistema nervoso são: a leucoencefalopatia multifocal progressiva pelo vírus JC, um Papova virus DNA, patologia esta ligada à imunossupressão e que aumentou de freqüência na era da SIDA/AIDS.

    A panencefalite esclerosante subaguda, está ligada ao vírus do sarampo, um Paramixovírus RNA, e à panencefalite progressiva da rubéola, ligada ao vírus da rubéola, um Togavírus RNA; havendo a possibilidade de serem a panencefalite esclerosante subaguda do sarampo e a panencefalite progressiva da rubéola produzidas pelos vírus vivos atenuados de ambas, como complicação rara das respectivas vacinas.

    Perguntas reflexivas devem ser feitas no final.

    Como serão os hospedeiros, reservatórios, vetores, agentes etiológicos e mecanismos novos de doenças no futuro? Quais e como serão as novas doenças agentes e maneiras de transmissão? O que acontecerá com a multirresistência dos microorganismos aos antimicrobianos? Quais as surpresas reservadas para o futuro? Quais serão as novas características dos novos tipos de hospedeiros do futuro? Quais as novas maneiras de transmissão de doenças infeciosas que advirão com os progressos médicos? Que novas patologias humanas surgirão com as quebras de ecossistemas?