Já está na hora de aceitarmos que questões relacionadas à saúde mental fazem parte da vida de qualquer um
“Só queria ter alguém para conversar sem julgamentos”, “Para a depressão tem remédio, mas e para a solidão?”, “A tristeza é minha única companhia”. Essas frases são postagens divulgadas em alguns grupos de pessoas com depressão e ansiedade nas redes sociais. Nesses grupos, as pessoas podem compartilhar o que estão sentindo, tirar dúvidas e trocar experiências.
Os exemplos mostrados acima evidenciam algumas das situações vividas por quem convive com doenças mentais: a solidão, medo de julgamento e dificuldade de encontrar pessoas com que possam desabafar. De alguma forma, depressão, ansiedade, baixa autoestima ou outros transtornos de personalidade são doenças que causam silêncio – tanto para quem sente na pele quanto para quem está próximo de alguém nessa situação.
“Temos medo de falar sobre saúde mental, independente de estarmos ou não com alguma questão. Vejo que as pessoas têm receio de admitir que precisam de ajuda. Ter depressão no Brasil para muitos ainda é motivo de vergonha. Com isso, quem tem não se sente confortável para conversar sobre o assunto. E quem está de fora, por não ter conhecimento, julga”, explica a terapeuta transpessoal Wanessa Moreira.
Uma das razões para essa realidade, de acordo com Wanessa, se dá pelo fato que vivemos em uma sociedade em que se tem a ideia de que é necessário ter uma vida perfeita para se ter valor perante os outros. “Entendemos que para ser aceito e reconhecido é necessário negar qualquer sentimento negativo, como se não fosse permitido transparecer fraquezas, pois quem tem fraqueza não tem valor.” explica a especialista.
O problema é que por mais que exista um incômodo em falar sobre questões de saúde mental, aqui no Brasil tem muita gente que passa por isso. A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que aproximadamente 5,8% da população brasileira sofre com depressão. Essa porcentagem representa em média 11,5 milhões de pessoas. É quase o equivalente à quantidade de pessoas que moram no município de São Paulo. Em relação à América Latina, o Brasil domina o ranking com a maior incidência de depressão.
Quando o assunto é ansiedade, o Brasil também se destaca. Segundo a OMS, cerca de 9,3% da população sofre com essa condição, o que representa 18,6 milhões de pessoas convivendo com o problema.
Números como esses são preocupantes, não apenas por haver uma grande quantidade pessoas lidando com essas condições sem que a gente perceba, mas também pelo fato de que temas relacionados à saúde mental ainda são negligenciados – seja por não falarmos a respeito e até por não haver investimento suficiente na saúde pública para tratar do assunto.
O Atlas da Saúde Mental 2017 da Organização Mundial de Saúde mostra que, de forma geral, em todos os países, faltam investimentos em saúde mental. Em localidades de renda baixa e média, como o Brasil, os gastos governamentais não chegam a 1 dólar per capita
Tristeza é um sentimento comum e duradouro
Desequilíbrios de saúde mental ocasionam diferentes sintomas – tanto no âmbito físico quanto psicológico. Mas o sentimento de tristeza é um dos mais característicos dessas doenças. Isso porque tanto a depressão quanto a ansiedade afetam neurotransmissores que regulam, por exemplo, a serotonina e a dopamina, substâncias químicas responsáveis por sensações como prazer e alegria. Sendo assim, quando há um desequilíbrio dessas funções, é comum que o indivíduo manifeste tristeza, apatia e falta de motivação.
Além de ser um sentimento que se manifesta de forma intensa em um quadro de depressão, a tristeza também é um elemento que faz parte da vida. Afinal, não é sempre que conseguimos lidar com as situações ou que somos capazes de manter nosso equilíbrio emocional. Mas não é só isso, a tristeza também é a emoção que demora mais tempo para passar. A informação vem de uma pesquisa realizada na Universidade de Leuven, na Bélgica. De acordo com o estudo, uma pessoa pode sentir tristeza até 240 vezes mais do que vergonha, surpresa, irritação ou até mesmo tédio.
Para a realização do estudo, os pesquisadores conversaram com 233 pessoas e pediram para que se lembrassem de memórias que tenham trazido alguma emoção. Além disso, os cientistas também pediram aos participantes que dissessem quanto tempo cada uma das emoções durou.
No total foram consideradas 27 emoções, como tristeza, tédio, ódio, alegria, inveja, esperança, alívio. Ao fim do estudo, os pesquisadores descobriram que uma pessoa pode sentir tristeza até 240 vezes mais do que se sente envergonhada, surpresa, irritada ou até mesmo entediada.
O fato de a tristeza estar atrelada a eventos de grande impacto, como morte, mudanças, abandono, perdas e acidentes é um dos fatores que faz com que ela seja tão presente na vida do ser humano. Além disso, a tristeza também é um sentimento que tem potencial para colocar a vida em perspectiva e trazer reflexões.
Uma vez que ela é uma sensação recorrente e de longa duração, a pergunta que fica é: Por que evitamos falar sobre a tristeza?
Essa pergunta não é simples de responder e provavelmente não teria uma única resposta. A psicóloga Wanessa acredita que “muitas vezes a tristeza do outro mostra uma fraqueza que eu também tenho em mim e não quero olhar, pois incomoda. Em muitos casos, as pessoas preferem viver em negação ao invés de olhar para as próprias questões. Quando uma outra pessoa traz uma questão que também é minha, eu lembro que aquilo me causa dor e não foi resolvido”.
Doenças relacionadas à saúde mental ainda são assuntos velados
A falta de reconhecimento da tristeza, a própria e a dos outros, é um dos fatores que contribui para o desenvolvimento de doenças emocionais. E essa fuga é o ponto chave que faz com que esse assunto seja tão difícil de ser abordado. Em suma, não é apenas a complexidade do tema que faz com que essas doenças sejam difíceis de serem encaradas, e sim nosso hábito de tratá-las como se fossem assuntos velados.
De acordo com a psiquiatra Evelyn Vinocur as falsas crenças em torno da depressão aumentam a dificuldade de compreender o transtorno e tratá-lo. Essa falta de compreensão faz com que mitos sejam disseminados – um deles é relacionar depressão com fraqueza. “A depressão, assim como um ataque cardíaco, não pode ser banida. A depressão é um transtorno neuroquímico no organismo, que não pode ser superado simplesmente pelo pensamento positivo ou forte determinação. Devido ao estigma acerca da doença, procurar ajuda para a depressão é um ato de coragem e força, e não de fraqueza”, explica a especialista.
A psicóloga Wanessa complementa dizendo que independente de classe social, trabalho ou história de vida, não existe cenário que impeça as pessoas de manifestarem depressão ou outra condição de saúde mental.
Esse tipo de costume faz com que pessoas que lidam com a depressão muitas vezes deixem de procurar ajuda para tratar a doença ou sintam-se intimidadas em falar a respeito com alguém mais próximo. É importante dizer que a depressão, assim como a ansiedade, é uma doença que causa alteração nos neurotransmissores cerebrais, portanto, necessita de medicamentos e acompanhamento terapêutico para ser tratada. Do contrário pode piorar e, em alguns casos, quando não há ajuda, o paciente pode se ver sem saída e adotar medidas extremas, como o suicídio.
Para se ter uma ideia, cerca de 11 mil pessoas cometem suicídio todos os anos no Brasil, segundo o boletim epidemiológico sobre suicídio do Ministério da Saúde. Não é possível afirmar que todas as pessoas tinham algum tipo de condição de saúde mental, mas provavelmente estavam diante de uma situação insustentável.
Falar a respeito da dor é um processo de cura
Uma pessoa com algum distúrbio emocional precisa de tratamento especializado. O uso de medicamentos pode ser necessário, mas tão importante quanto encontrar a medicação correta é fazer um acompanhamento terapêutico. Numa sessão de terapia o paciente tem a possibilidade de falar a respeito do que sente e esse hábito pode contribuir significativamente para sua melhora. Evelyn explica que diversas correntes psicoterápicas, como a psicanálise, promovem a cura pela fala.
Usar a conversa como ferramenta terapêutica não é um hábito aleatório. A prática tem uma função organizadora, ou seja, possibilita que o indivíduo entre em contato com seu mundo interno e, ao se ouvir, alinha suas ideias e isso traz benefícios para a saúde mental. Além do mais, esse tipo de vivência ajuda a trazer à tona conteúdos desconhecidos do próprio indivíduo. O manejo destes conteúdos pode trazer reflexões e permitir que o paciente adquira autoconhecimento, o que contribui no enfrentamento de distúrbios emocionais.
Vale ressaltar que é de grande importância que o tratamento terapêutico seja feito por um psicólogo, psiquiatra ou psicanalista, pois esses profissionais têm conhecimento sobre o funcionamento do cérebro e do comportamento humano e contam com habilidades para conduzir de forma segura o paciente a uma maior compreensão sobre si mesmo.
No entanto, poder falar a respeito do que sente com outras pessoas também pode ser uma boa forma de aliviar angústias, receber acolhimento e até mesmo sentir-se motivado a procurar ajuda profissional. O Centro de Valorização à Vida – CVV (cvv.org.br) é uma organização sem fins lucrativos que realiza apoio emocional e prevenção ao suicídio atendendo de forma gratuita e voluntária pessoas que querem e precisam conversar.
De acordo com a instituição, a dor emocional, ou mesmo outros sentimentos, como alegria, orgulho e amor, precisa ser expressada, caso contrário sufoca. O CVV (cvv.org.br), Disk 188 se coloca à disposição para ajudar pessoas a expressarem suas dores por meio da palavra. E isso pode evitar que a dor seja expressada por atos de agressão a si mesmo e contra os outros.
Qualquer pessoa pode se colocar à disposição para escutar a dor do outro, sem julgamento e com intenção de acolher. Os distúrbios emocionais não são problemas do indivíduo, são problemas relacionado ao todo. A partir do momento que nos enxergarmos como parte da solução e nos conscientizarmos que a dor dos nossos semelhantes também diz respeito a nós, pois estamos todos conectados enquanto sociedade, poderemos ter uma chance de reduzir os índices de suicídio e doenças como depressão e ansiedade.
O primeiro passo é aceitar que questões como depressão, ansiedade e baixa autoestima não são questões de pessoas fracas, são questões relacionadas a pessoas. E se estamos falando de pessoas, estamos falando de todos nós.
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