Dados da OMS apontam para índices alarmantes de depressão e ansiedade; campanha criada em Uberlândia reforça saúde mental
Apesar de o imaginário popular considerar o Brasil um país festeiro e feliz, dados referentes à saúde mental mostram uma realidade muito mais triste. O Brasil é o oitavo País no ranking da Organização Mundial da Saúde (OMS) no número absoluto de suicídios por ano. A posição nada confortável está intimamente ligada a outros problemas sérios de saúde mental entre a população brasileira. O país, por exemplo, tem a maior taxa de população diagnosticada com depressão na América Latina, e quase 10 em cada 100 pessoas no Brasil têm algum transtorno de ansiedade.
Segundo especialistas, problemas do tipo crescem em meio à crise econômica pela qual o País passa, mas também podem estar ligados a fatores socioculturais. Foi inclusive para tentar mudar este quadro e alertar para a importância da saúde mental que surgiu no Brasil a campanha Janeiro Branco.
Ainda segundo a OMS, estima-se que haja 12 mil casos de autoextermínio por ano no Brasil. Para entender o porquê uma pessoa chega ao extremo de tirar a própria vida, é preciso entender os processos de ansiedade e depressão entre os brasileiros. Boa parte das pessoas que se suicidaram passaram por um quadro depressivo anteriormente.
Ainda segundo a OMS, em dados que embasam a campanha Janeiro Branco, o Brasil tem 9,3% da população com algum tipo de transtorno de ansiedade, um dos maiores índices do mundo. Como explicou o psicoterapeuta comportamental cognitivo José Borges da Silva Filho, a ansiedade por si só não é maléfica, tratando-se de um sistema de defesa do cérebro surgido em tempos primórdios. “Quando o cérebro percebe alguma ameaça pelos sentidos, aciona o medo, que manda o pâncreas produzir um hormônio chamado adrenalina. Este hormônio dispara o coração, manda o fígado liberar carboidrato, aumenta a dilatação da pupila, constringe veias e artérias, aumenta ainda a respiração. O objetivo é se defender de algum ataque físico”.
O caso é que hoje em dia esse tipo de ameaça física, como as geradas por ataques de um predador, já não é tão presente como há milhares de anos. Entretanto, uma situação rotineira que deixe uma pessoa em desconforto e alerta gera esse mesmo tipo de processo cerebral.
“Hoje o ser humano ainda funciona como se estivesse sendo atacado fisicamente e, assim, o cérebro comete um ‘erro’ de avaliação. E quando esse ‘erro’ se torna frequente, começa a haver transtornos, como ansiedade generalizada, transtorno do pânico. As compulsões têm base na ansiedade. Uma ansiedade alta não tratada tem grandes chances de virar depressão”, disse José Borges Filho.
O que acontece é que fatores como índices de criminalidade, desemprego, problemas no casamento, mudanças e concursos como vestibulares, no caso de jovens, além de outros, fazem com as pessoas se coloquem em alerta o tempo todo, o que eleva o estresse. Um grande incômodo ou dor originados desses fatores podem gerar ansiedade. Se não tratada, o problema tende a virar uma depressão, a qual traz a ausência de energia de lutar pela vida.
DEPRESSÃO
A OMS afirma que 5,8% da população brasileira, ou algo próximo a 12 milhões de pessoas, sofrem de depressão no Brasil. Não só a maior taxa da América Latina, como a 5ª do mundo.
Psicólogo há 22 anos, Maurício Campos acredita que esses números podem ser menores que a realidade, uma vez que a doença se apresenta como a terceira maior causa afastamento do trabalho – perdendo apenas para cardiopatias –, além de haver fatores como a dificuldade de tratamento em camadas mais pobres. “Muitas vezes, [pessoas mais pobres] não têm acesso ao tratamento e isso pode apontar que existam muito mais casos. Ainda assim é um número muito grande. Estamos falando de 14 cidades de Uberlândia em depressão”, disse.
Carga de trabalho excessiva, impossibilidade de escolhas profissionais ou pessoais, falta de espaço para falar sobre si, pouco tempo para uma reflexão sobre a própria vida, relações esvaziadas e pressões pessoais, sociais e profissionais, além de questões físicas, são fatores comuns que podem estar ligadas à depressão. “O jovem de classe média alta decide o que vai fazer em um vestibular, o pobre já está trabalhando, os corpos de ambos estão mudando, tem a sexualidade, a relação com o outro muda e essa pessoa não tem com quem conversar ou tratar qualquer problema, enquanto ele segue recebendo pressão”, disse Maurício Campos.
O profissional dá palestras para professores e outros trabalhadores da educação para identificação de pessoas que estão com quadro de depressão ou em potencial suicídio. A prevenção em ambientes coletivos ou mesmo em casa, segundo o psicólogo, pode estar a uma conversa de distância. “Você precisa olhar para uma pessoa próxima e perceber se ela está bem ou precisa de ajuda. Muitas pessoas de fora é que vão perceber que há problemas a serem tratados”, disse.
PRECONCEITO
Ambos profissionais consultados pelo Diário de Uberlândia explicam que, na saúde mental, o preconceito é uma das grandes dificuldades para que haja tratamento adequado de pacientes. Muitas pessoas evitam psicólogos e psiquiatras por imaginarem ser taxados como loucos, ao mesmo tempo que a maior parte da população desconhece a importância do tratamento de males como a depressão.
“A psicologia no Brasil é muito recente. Há 80 anos, 90 anos, não exista tratamento para esquizofrenia, por exemplo. O jeitinho brasileiro fez a pessoa aprender a se virar de qualquer jeito e isso leva a não acreditar no tratamento de saúde mental. Enquanto isso, a saúde pública é deficitária e a saúde privada é muito cara”, disse José Borges Filho.
“Quanto mais se fala, menos preconceito”
“Fui diagnosticada com transtorno afetivo bipolar quando tinha 18 anos, mas duvidei do primeiro diagnóstico e busquei a avaliação de quatro profissionais diferentes até levar a sério e fazer o tratamento direito.”
A analista de marketing Jessica Block buscou ajuda há 13 anos para um problema de saúde mental depois que sentiu fisicamente alguns efeitos, como febre alta e dores pelo corpo. As crises, segundo ela, com o passar do tempo, diminuíram a frequência. “Hoje os meus episódios têm muito mais a ver com a ansiedade e com a forma como eu estou acostumada a lidar com problemas do que com a depressão. Mas, infelizmente, depressão é ‘para sempre’ e eu tive que aprender a conviver com essa ideia. Subestimar a doença é burrice, porque, quando você se descuida, ela reaparece e te derruba de repente”, explicou.
Graças a terapia, Jessica Block aprendeu a lidar com a depressão | Foto: Marco Lima/Crosoften
Segundo ela, a medicação que ainda toma, hoje apenas um ansiolítico, sempre foi importante, mas sem a terapia não teria como a descobrir a origem de alguns comportamentos e gatilhos que lhe faziam entrar em crise. Block diz que hoje tem condições de contornar essas situações. Isso, ainda de acordo com ela, ajuda a pessoa a descobrir traumas e se aceitar, além de dar poder sobre a doença.
“Já senti vergonha por ter depressão e escondia o fato de ter sido diagnosticada com transtorno bipolar porque as pessoas não entendem isso como uma doença, e sim como uma frescura. Quanto mais se fala do assunto, menos eu preciso lidar com preconceito”.
Campanha criada em Uberlândia reforça saúde mental
O Janeiro Branco completa neste ano sua sétima edição. Conforme noticiou o Diário, a campanha foi criada em Uberlândia pelo psicólogo Leonardo Abrahão com foco na saúde mental e combate ao adoecimento emocional e já atingiu países de pelo menos quatro continentes: América, África, Europa e Ásia.
O criador do movimento disse que o foco neste ano será de levar os conceitos que norteiam o Janeiro Branco para um lugar muito particular: o cotidiano das pessoas. “Fazemos nascer uma proposta para ver a vida de outra maneira”, disse.
“As pessoas pensam em futebol, novela e carnaval constantemente. Temos essas culturas. A humanidade desenvolveu nos anos 80 a cultura da saúde física. Essa é a lacuna que queremos suprir: a saúde mental. É trazer preocupações e reflexões, atenções e ações em nome da saúde mental. E para fazer isso é preciso chamar a atenção”, disse.
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