Nessa virada de século o Brasil viu reemergir uma doença que se imaginava definitivamente erradicada em nosso território, a febre amarela. Assim como essa moléstia, outras como a dengue, a malária revelam um crescimento no número de casos que preocupa o governo e a comunidade científica do país. Como forma de discutir modelos de combate e prevenção a SBPC promoveu, durante a 52ª Reunião Anual, o simpósio “Doenças emergentes e reemergentes”.
José Rodrigues Coura, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e um dos expositores, conceitua doença emergente ou reemergente como “uma infecção nova, reemergente ou resistente a drogas, cuja incidência, no homem tenha aumentado nas últimas décadas ou tenda a aumentar em futuro próximo”. Na sua opinião, das doenças infecciosas em crescimento no país as mais preocupantes são a febre amarela e o dengue.
Para a febre amarela existe uma vacina preventiva, para o dengue não. Mesmo assim, a febre amarela é considerada mais perigosa pois pode ser fatal. Ambas são transmitidas pelo mosquito Aedis aegypti. “Ele está presente em todos os municípios brasileiros, aqueles que dizem que não o tem, é porque não procuraram direito”, afirma o pesquisador. “São vários os fatores para o retorno de doenças que no passado já haviam sido controladas”, aponta Coura. O principal, diz, é a “quebra de medidas de saúde pública”.
Segundo ele, o país deixou de investir em campanhas sanitaristas de prevenção, que foi a forma de erradicação de algumas dessas doenças. Tanto a febre amarela, quanto o dengue, foram controlados no início do século com uma série de ações organizadas por Oswaldo Cruz e baseadas na eliminação dos mosquitos por meio da limpeza das cidades.
Coura cita ainda a interiorização do país, a necessidade de abertura de outras fronteiras econômicas, o desmatamento, como formas do homem entrar em contato com males que até então eram silvestres. A febre amarela é um exemplo de doença com duas formas: uma urbana, outra silvestre. A urbana foi erradicada em 1930, apareceu no Espirito Santo em 1942, mas foi contida, e, com o processo de desenvolvimento interiorano motivado na década de 70, voltou a crescer. A febre amarela silvestre sempre existiu.
É transmitida ao homem pelo mosquito Haemagogus. Quando algum desses mosquitos pica o homem, ele adquire a febre amarela silvestre. A forma urbana ocorre quando um mosquito Aedis aegypti pica um homem infectado pela febre silvestre, transmitindo a doença de uma pessoa a outra.
Marcos Boulos, pesquisador da USP participante do simpósio, compartilha com Coura da idéia de que a movimentação humana em áreas endêmicas é uma das principais formas de recrudescimento de doenças. Ele delimitou sua exposição à malária e à aids. A primeira um caso de enfermidade reemergente, e a outra, a moléstia emergente que mais preocupa o mundo.
Dados divulgados por Boulos mostram que só no ano passado foram notificados 630 mil casos de malária, representando um aumento de 30% em relação aos números do ano passado.
Até 1970, quando foram incrementadas as políticas de desenvolvimento no interior do país, a malária estava controlada, com média de 50 mil casos por ano. Segundo o pesquisador, metade da população mundial está sob o risco da doença que, só no Brasil, mata 170 pessoas por ano.
A sessão, impaludismo, tremedeira, febre terçã, febre quartã, febre palustre, febre palúdica, nomes também atribuídos à malária, é causada por um parasito chamado plasmódio, que diminui a contagem de glóbulos vermelhos no sangue, provocando anemia. A transmissão se dá por um vetor, o anofelino (mosquito-prego). A Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) concentra 99% dos casos, sendo que só o Pará responde por 80% dos casos nacionais, informa Boulos.
A malária é outra moléstia reemergente para o qual não há vacina. As várias estratégias adotadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para o seu controle, que atingia praticamente todas as regiões do planeta, só surtiram efeito nos países desenvolvidos. No Brasil, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado tem diminuído o número de óbitos pela doença, mas essa atitude não reduziu a manifestação de outros casos.
Para Boulos, as dificuldades em se erradicar o mal estão na agilidade com que o mosquito e o parasito desenvolvem resistência às drogas antimálaricas; na constante migração de indivíduos infectados e, fundamentalmente, na falta de priorização da questão pelo governo. “Houve uma descentralização dos programas de combate à malária, entretanto, muitos dos municípios das regiões infestadas não estavam preparados para assumir mais essa atribuição”, comenta.
Dos números das enfermidades em crescimento nenhum assusta mais do que os da Aids. Dados apresentado por Boulos, cuja fonte é a OMS, mostram que no ano passado, 34 milhões de pessoas portavam o vírus HIV e 2,8 milhões morreram em decorrência da infecção. A cada ano, 5,4 milhões de casos são notificados, 15 mil por dia, sendo 95% registrados na África. No Brasil, os casos notificados são 179 mil, mas a OMS estima que existem entre 450 e 600 mil pessoas vivendo com o vírus.
Como é bom lembrar, não há vacina contra a Aids, o ideal é buscar cuidados preventivos como o uso de preservativos nas relações sexuais e o não reaproveitamento de seringas descartavéis, atitudes que dificultam o contágio. Algumas vacinas estão em testes, sendo que a Alphavax, desenvolvida por norte-americanos e sul-africanos, é a que está com os estudos mais avançados. Em experimentos com macacos, revelou capacidade de proteção ao vírus. Em humanos ela será testada em 2001.
Para Boulos é fundamental a participação das universidades nesse esforço de erradicação de doenças, por meio da produção de teses, pesquisas, manuais, mecanismos que aumentam o conhecimento sobre as doenças. “No caso do Brasil, o Ministério da Saúde sozinho não é capaz de dar soluções para o problema”, garante ele. (Hebert França)
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