Gestão de riscos e incertezas – base para um futuro sustentável
“Viver é muito perigoso,” diz Riobaldo Tatarana, o mítico personagem do romance “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa. Ele alerta que ninguém neste mundo está imune a riscos, o que é confirmado pelos nossos sentidos − audição, visão, tato, olfato e paladar −, que funcionam com um sofisticado sistema em constante alerta, e nos mantém vivos em um mundo repleto de perigos. Seres humanos e animais estão o tempo todo buscando colocar seus sentidos em sintonia com o ambiente para minimizar riscos.
Risco é, na verdade, o efeito da incerteza sobre processos que impactam negócios, empresas, governos ou a nossa sobrevivência. Todos praticamos a gestão de risco, uma vez que as incertezas estão sempre à nossa volta. Nossos sentidos nos ajudam a lidar com isso desde muito cedo, como quando, por exemplo, queimamos o dedo ao tentar acender um fósforo pela primeira vez. Mas governos e empresas não podem confiar apenas em instinto ou sentidos inatos para gerir incertezas e riscos, muitas vezes complexos e multifacetados.
Governos e empresas precisam administrar riscos em escala coletiva ou agregada, o que não é trivial. Quando conseguem antecipar e fazer uma gestão estratégica de riscos, gestores se municiam com informações e conhecimentos, gerando decisões melhores e progresso mais rápido e consistente. As economias mais dinâmicas e competitivas e as empresas líderes nos seus mercados têm em comum essa capacidade aprimorada de gerir riscos e seus impactos, dos mais óbvios até os mais inesperados.
O terremoto ocorrido na costa japonesa em 2011, seguido por um tsunami, que quase se torna um desastre nuclear de grandes proporções, é exemplo da complexidade que a gestão de risco pode enfrentar. O terremoto ocorrido recentemente no Nepal, combinado à alta densidade populacional e à infraestrutura deficiente resultou numa tragédia. A crise hídrica que vivemos no Sudeste do Brasil também decorre de eventos naturais difíceis de prever e controlar. Porém, a magnitude dessas crises nos lembra de que ser pego de surpresa é o pior dos mundos.
Água, energia, meio ambiente, alimento e pobreza incorporam grandes desafios a serem enfrentados pela humanidade nas próximas décadas. A sustentabilidade, no futuro, dependerá muito de capacidade distribuída e coordenada em muitas instâncias, para gerir as incertezas relacionadas a esses desafios. Um exemplo é o processo de mudança de clima, que intensifica estresses e torna incerta a produção de alimentos e de energia, a estabilidade dos biomas e o futuro das populações pobres. O uso de ferramentas avançadas, capazes de considerar múltiplas fontes de dados e possibilidades, poderá identificar tendências e padrões, ampliando a capacidade humana de analisar e interpretar incertezas de grande complexidade.
Um exemplo brasileiro ilustra bem o sucesso dessa estratégia. Duas décadas atrás, a falta de um instrumento de gestão das incertezas climáticas e dos riscos na condução das lavouras levava a perdas severas além de filas de agricultores nos bancos, renegociando dívidas. Para superar essa dificuldade a Embrapa liderou, a partir de 1996, uma grande rede de pesquisa que integrou volumes massivos de informações de clima, solo e cultivos para definir épocas e locais de menor risco de perdas na produção das nossas principais lavouras.
Essas informações sistematizadas resultaram no Zoneamento Agrícola de Risco Climático, um inédito instrumento de política agrícola e gestão de riscos que hoje cobre 40 tipos diferentes de lavouras no Brasil. O estudo resultou na relação de municípios e épocas de plantio com ocorrência de condições de clima que possibilitem máximo potencial de produção aos cultivos. Definindo áreas menos sujeitas a riscos de insucessos, o zoneamento se consolidou como ferramenta valiosa para expansão planejada e mais segura das nossas safras.
O uso desse instrumento pelos agentes financeiros, técnicos e produtores rurais se tornou um caso de sucesso, reconhecido em todo o mundo, de gestão de riscos no campo. Exemplos assim, de combinação virtuosa de ciência e política pública, serão cada vez mais necessários para lidarmos com incertezas e riscos em um mundo interconectado e globalizado, onde desafios complexos se multiplicam.
Viver vai continuar sendo perigoso. A boa notícia é que a nossa capacidade de gerar dados e operar ferramentas avançadas de inteligência pode nos permitir construir um viver menos arriscado, mais prazeroso e sustentável.
Maurício Antônio Lopes
Presidente da Embrapa
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