As astrônomas Ana Posses e Duilia de Mello relatam o que torna o planeta mais próximo do Sol tão intrigante (ao ponto de emocionar Albert Einstein)
Imagine acordar para mais um dia de trabalho em agradáveis 430ºC e, mais tarde, descansar em uma fresca noite de -170ºC. Não parece nada agradável! Na coluna deste mês, vamos destrinchar Mercúrio, um planeta do qual se fala pouco, mas que até emocionou Einstein no início do século passado.
Mercúrio, o deus romano do comércio, dá nome ao planeta mais próximo ao Sol. Como vimos, sua temperatura pode variar de maneira bem extrema entre a face iluminada e a não iluminada pela nossa estrela. Mas isso não significa que ele seja o planeta mais quente do Sistema Solar.
Na verdade, o topo desse pódio é de Vênus, com temperaturas médias de 460ºC. Como mostramos na coluna de agosto, isso acontece pela peculiar composição química da atmosfera venusiana que retém calor, produzindo um intenso efeito estufa. No caso de Mercúrio, a atmosfera é rarefeita.
E por falar em Vênus, para tentar ver Mercúrio a olho nu, nós também precisamos esperar o amanhecer ou entardecer, quando o Sol estiver muito próximo do horizonte. Isso porque ele e Vênus são planetas internos, ou seja, que estão entre o Sol e a órbita da Terra. E mesmo estando mais perto de nós do que outros planetas visíveis no céu noturno, o brilho solar ofusca drasticamente o planeta. Portanto, ver Mercúrio só é possível em raras ocasiões, quando a configuração planetária é favorável, pouco tempo antes do Sol nascer ou se pôr.
Entender completamente a órbita de Mercúrio foi um dos pilares para a comprovação da Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein. Explicar a peculiaridade da órbita mercuriana foi uma grande questão do século 19 e início do século 20. Assim como todos os demais planetas, Mercúrio tem uma órbita elíptica e possui um ponto em que mais se aproxima do Sol, seu periélio.
Só que o planeta não possui uma órbita estática, e esse ponto mais próximo varia a cada nova volta, influenciado principalmente pela interação gravitacional com os outros planetas. Essa variação é chamada de precessão do periélio de Mercúrio.
Inicialmente, essa precessão seria explicada pelos cálculos feitos a partir da teoria da gravitação de Isaac Newton. Segundo suas contas, a variação do periélio duraria 227 mil anos. Porém, a partir das observações feitas pelo astrônomo francês Urbain Le Verrier, esse tal movimento deveria durar em torno de 240 mil anos.
Para resolver essa diferença, até um novo planeta chegou a ser proposto. Apelidado de Vulcano, estaria perturbando a órbita de Mercúrio. Por muitos anos, astrônomos procuraram, sem sucesso, por esse mundo hipotético. Foi finalmente em 1915 que Albert Einstein aplicou sua recém-formulada Relatividade Geral na órbita de Mercúrio, solucionando a questão.
Segundo a teoria, o Sol causa uma curvatura no espaço-tempo ao seu redor, e a órbita dos planetas é uma consequência dessa deformação. Portanto, além da interação com os demais planetas, a precessão do periélio de Mercúrio é influenciada também pela deformação do espaço-tempo causada pelo Sol. Ela é mais expressiva em Mercúrio do que nos outros planetas por conta de sua proximidade com a estrela.
Mercúrio é o menor planeta do Sistema Solar, sendo até menor do que Ganimedes e Titã, as luas de Júpiter e Saturno, respectivamente. Mas elas não dominam gravitacionalmente suas redondezas, portanto, não podem ser consideradas planetas. Mercúrio possui uma superfície rochosa e com muitas marcas de impacto — e, assim como Vênus, não tem luas.
Mercúrio foi visitado por poucas sondas espaciais até hoje. A primeira foi a missão Mariner 10, da Nasa, que chegou perto do planetinha em 1975, a uns 325 km de altitude. Mas ela apresentou problemas técnicos e apenas uma região pôde ser investigada.
A missão mais recente da Nasa até lá foi a Messenger, que chegou em 2015 a apenas 200 km de altitude e mapeou Mercúrio pela primeira vez. Para surpresa de todos, a empreitada revelou um planeta com ainda mais mistérios, detectando gelo nas cavernas do polo norte, traços de vulcanismo e compostos orgânicos.
A Messenger colidiu com o planeta propositalmente, tirando a última imagem a poucos metros do impacto.
A Agência Espacial Europeia (ESA) e a agência espacial japonesa, JAXA, enviaram em 2018 uma sonda até Mercúrio, a BepiColombo, mas ela só vai chegar lá em 2025. Mesmo assim, já começou a produzir imagens lindas do planeta.
O equipamento possui detectores que tentarão explicar alguns mistérios mercurianos. Por exemplo, as teorias de formação planetária têm dificuldade de explicar como um planeta com as características de Mercúrio conseguiu encontrar equilíbrio estando tão perto do Sol.
Os mapas produzidos pela BepiColombo serão utilizados para procurar evidências de um impacto gigante que teria ocorrido no passado. Esse choque seria responsável pelo núcleo de ferro relativamente grande, onde o campo magnético é gerado. Vamos torcer para que tudo dê certo!
Fonte: Revista Galileu
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