Pesquisadores brasileiros e norte-americanos revelaram fenômeno atrelado a queda de concentração da proteína PKMzeta, o que pode abrir portas para inovações médicas
A proteína PKMzeta é reconhecidamente ligada a processos de formação de memória – Alzheimer, depressão e o próprio envelhecimento são associados a concentrações reduzidas dessa molécula no cérebro.
Eis que pesquisadores brasileiros e norte-americanos revelaram um fenômeno atrelado a essa queda de concentração da proteína, o que contribui para o entendimento dessas condições e, no futuro, pode abrir as portas para inovações médicas.
Esse mecanismo integra a epigenética, um campo que estuda como determinados estímulos ambientais ativam ou inibem a expressão de genes. Uma das formas mais conhecidas de silenciar um gene é a chamada metilação do DNA, processo pelo qual moléculas do grupo metil se ligam a um trecho específico do gene e impedem a sua transcrição.
O artigo, publicado no periódico científico Biochimica et Biophysica Acta (BBA), descreve que, no sistema nervoso central, normalmente a proteína CREB1 se liga a um trecho do gene PKMzeta para que este expresse a proteína de mesmo nome. No entanto, a hipermetilação desse pedaço do gene resultou em taxas significativamente menores da proteína PKMzeta.
“Nós revelamos que a metilação do DNA regula a expressão desse gene, o que pode ter um papel em certas patologias”, afirma Deborah Schechtman, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e orientadora do trabalho. “Eu acredito que uma ciência básica bem-feita oferece caminhos para o desenvolvimento de drogas e avanços terapêuticos”, completa.
O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio de cinco projetos (19/06982-6, 15/24046-5, 15/17812-3, 20/13929-1 e 20/16204-8).
No interior do DNA
O biomédico Dimitrius Pramio, primeiro autor do artigo, destaca que diferentes materiais foram empregados nas análises. “Usamos bancos de dados disponíveis, células humanas isoladas ou modificadas em laboratório e células de animais”, enumera. Parcerias com a Universidade Yale e a SUNY Upstate Medical University, ambas nos Estados Unidos, foram fundamentais para obter acesso a alguns desses materiais.
Diversos testes foram conduzidos para verificar se a metilação do gene PKMzeta culminaria em menor concentração da proteína que ele produz. Foram aplicadas, entre outras técnicas, drogas que interferem na metilação do DNA e até a tecnologia CRISPR, específica para edição genética. Nesse caso, a alteração promovida pelos cientistas no gene PKMzeta impedia a ligação adequada da proteína CREB1. “Com isso, a produção da proteína PKMzeta caiu”, reitera Schechtman.
O achado valida que o gene em questão necessita da CREB1 para incitar a produção da proteína PKMzeta – e que a metilação do DNA seria uma explicação para quedas na concentração dessa proteína.
Fora isso, outros genes atuantes no sistema nervoso central foram avaliados para verificar se são inibidos por meio desse processo de hipermetilação do DNA que impede a ligação da proteína CREB1. “Queríamos observar se esse processo acontece de forma mais global”, aponta Schechtman.
Ora, se a expressão de outros genes para além do PKMzeta é afetada por esse padrão de metilação do DNA, é sinal de que ele tem uma importância maior em alterações no cérebro possivelmente ligadas a patologias. E, sim, os pesquisadores demonstraram que esse fenômeno não se resume à proteína PKMzeta.
Abertura de trilhas científicas
Vários possíveis caminhos de investigação surgem a partir dessa pesquisa. Um é avançar nos outros genes afetados por essa metilação do DNA, que impede a ligação da CREB1, e verificar o papel de cada um no organismo, além de sua eventual ligação com doenças.
Outra possibilidade é buscar entender o que, de fato, a proteína PKMzeta faz no sistema nervoso central. “Sabemos que ela está envolvida com a memória. Mas como ela faz isso em detalhes? Essa é uma pergunta relevante”, destaca Schechtman.
Dimitrius Pramio acrescenta que também é importante testar esse mecanismo encontrado em modelos mais precisos. É possível examinar áreas específicas do cérebro, ou mesmo modelos animais de certas doenças, como Alzheimer e depressão. “Outros artigos mostram, por exemplo, que o uso de certos antidepressivos em modelos animais de depressão restabelece a expressão do gene PKMzeta que estava inibida. Mas a metilação do DNA não foi investigada aí”, ressalta o biomédico.
Segundo Pramio, o avanço nessas linhas de pesquisa pode, no futuro, contribuir para novos tratamentos – um fator especialmente importante para a depressão e o Alzheimer, condições ainda desafiadoras para os médicos.
Fonte: Revista Galileu
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