Especialistas discutem em artigo como a astronomia medieval era praticada e compreendida, destacando as reflexões do pensador monástico medieval Gervásio da Cantuária
Há mais de 800 anos, por volta de 1195, Gervásio, um monge baseado na Catedral da Cantuária, incluiu em suas crônicas uma série de reflexões sobre fenômenos naturais, principalmente celestes. Nisso, ele estava longe de ser incomum. Pensadores monásticos medievais frequentemente registravam eventos celestes, como eclipses.
A maioria das observações medievais do céu era feita a olho nu. Os cronistas, se não estivessem observando o evento eles próprios, confiariam em um testemunho ocular ou em outros registros escritos para obter os detalhes.
Tecnologias como o astrolábio – um instrumento primitivo para mapear as estrelas – eram comuns na Europa medieval a partir do século 12 e já eram conhecidas muito antes nas regiões islâmicas (influenciadas pela civilização islâmica). Embora os primeiros cronistas celestes europeus também usassem modelos astronômicos traduzidos para o latim do grego e do árabe, eles não tinham telescópios nem nenhum outro equipamento tecnológico disponível hoje.
Gervársio viveu em um mundo onde se acreditava que a natureza estava intimamente ligada à atividade humana. O universo antigo e medieval colocava a Terra no centro, com uma série de esferas a rodeando, divididas em duas zonas.
Abaixo da Lua, essas esferas eram dos elementos: terra e água, ar, fogo. Acima da Lua vinham as esferas dos planetas: Mercúrio, Vênus, o Sol, Marte, Júpiter, Saturno e depois as estrelas, fixadas em suas constelações.
No contexto de um universo de esferas, os pensadores antigos e medievais trabalhavam com o princípio de que o que está acima afeta o que está abaixo. É importante apreciar que isso explica a séria atenção dada à astrologia no pensamento antigo e medieval. Os planetas, acreditavam eles, tinham efeitos no mundo humano. Os fenômenos naturais, dessa forma, estavam conectados e eram integrados para entender esse mundo.
A astronomia, e sua disciplina associada, a astrologia, tinham aplicação prática direta na atividade humana da época, desde o estudo religioso do calendário e dos eventos até a medicina e a agricultura. A ampla utilidade da astronomia para calcular o tempo de procedimentos médicos ou o clima era amplamente reconhecida. O filósofo e cientista Robert Grosseteste (c.1170-1253) explicou isso em seu tratado Sobre as Artes Liberais (c.1200):
Quando no plantio, a lua crescente está no quarto oriental ou no meio do céu e em aspecto com os planetas benéficos… ela moverá poderosamente o calor vital na planta e acelerará e fortalecerá seu crescimento e frutificação.
Segundo Gervásio, o objetivo de escrever uma crônica era registrar as ações de reis e príncipes, e o registro de milagres e presságios. Correlações diretas foram feitas então pelos cronistas da época entre fenômenos celestes e mudanças políticas – levando em consideração que a maioria, senão todas, as crônicas foram escritas após os fatos. A Crônica de Melrose, compilada no século 13, observa que:
Os espetáculos celestes de hoje
Hoje em dia, os espetáculos celestes são vistos simplesmente como manifestações da riqueza de um mundo natural que é explicável, pelo menos em princípio.
No entanto, apesar do sucesso preditivo, por exemplo, da teoria da gravidade e da dinâmica clássica, ainda há problemas que permanecem imprevisíveis. Alguns podem ser enganosamente simples – por exemplo, o pêndulo duplo ou o pêndulo de Rott (um par de pêndulos que formam um sistema “caótico”, cujo movimento não pode ser previsto matematicamente).
Outros incluem fenômenos meteorológicos e previsão do tempo – e aqui, de muitas maneiras, nos encontramos em uma posição semelhante aos cronistas medievais.
Na previsão do tempo de longo prazo, por exemplo, podemos observar, mas ainda não somos capazes de prever com precisão futuros resultados como condições climáticas extremas. Os cronistas medievais viam maravilhas nos céus como presságios. Pode ser útil para nós reaprendermos o porquê, e traçar nossas próprias perspectivas sobre as interconexões das coisas.
*Giles Gasper é professor de Alta Idade Média na Universidade de Durham no Reino Unido. Brian Tanner é professor emérito de Física também na Universidade de Durham. Este artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.
Fonte: Revista Galileu — https://revistagalileu.globo.com/sociedade/historia/noticia/2024/04/como-eclipses-e-outros-fenomenos-celestes-eram-documentados-na-idade-media.ghtml
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