Excesso de jornada de caminhoneiros provoca tragédias e destroi famílias
11 de fevereiro de 2024

Em menos de 20 dias, três engavetamentos causados por caminhoneiros, em excesso de jornada, provocaram a morte de 8 pessoas, incluindo três crianças, e deixaram famílias destruídas.

Avô, avó e neto esmagados

Estradas.com.br apurou com exclusividade que o motorista da carreta que colidiu na traseira do Fiat Pálio, de cor vermelha, causando a morte de Mauro Izidoro de Oliveira, 67 anos, sua esposa Rosimeire Castilho de Oliveira, 59 anos, e o neto Miguel, de 6 anos, estava dirigindo em excesso de jornada.

A tragédia ocorreu no dia 3 de fevereiro na BR-163, no Mato Grosso, na região do município de Itaubá. Ao colidir com o Pálio, o condutor da carreta também contribuiu para o esmagamento do VW Golf, de Eclezivaldo Soares da Silva, que estava acompanhado pela esposa, Thalita Pereira Diogo.

vídeo com imagens de Thalita rezando, enquanto aguardavam para serem retirados das ferragens, repercutiu em todo o país.

Três pessoas morrem e casal fica ferido em acidente na BR-163/MT
Avós orgulhosos dos netos perderam a vida quando o caminhoneiro colidiu na traseira do Pálio na BR-163/MT

O caminhão pertence a Carlos Eduardo P. S., está emplacado em Sinop (MT). As iniciais e o sobrenome do condutor autuado são E.S. de Jesus. O auto de infração aplicado foi baseado no Art. 67 C do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que indica excesso de jornada, pois refere-se ao tempo de permanência do condutor ao volante e aos intervalos para descanso, no caso de veículo de transporte de carga ou coletivo de passageiros: a infração é média, com penalidade de multa.

A norma prevê, como medida administrativa, a retenção do veículo para cumprimento do tempo de descanso aplicável. A autuação foi registrada, às 11h, do dia 3 de fevereiro. Não foi a primeira autuação registrada neste veículo por causa de excesso de jornada do condutor.

Duas outras tragédias ocorreram nas mesmas condições, com esmagamento de automóveis entre carretas

Assim como no caso da tragédia dos avós e do neto, o Art. 67 C foi aplicado pela Polícia Rodoviária Federal em mais outros dois casos recentes. O primeiro ocorreu no dia 15 de janeiro na Via Dutra, em São Paulo, na altura do km 229.

Um caminhoneiro da Transportadora Soberana, que tracionava uma carreta da TransTassi, causou um engavetamento que provocou a morte no local de três pessoas: o filho de 8 anos do condutor, seu pai e enteado. A esposa ficou gravemente ferida e faleceu posteriormente. Mais uma família destruída.

O condutor da carreta estava em excesso de jornada e foi autuado ainda por dirigir sob o efeito de substância psicoativa que não álcool, já que o teste do etilômetro deu negativo.

A transportadora Soberana jamais respondeu às nossas tentativas de contato. Já a TransTassi alegou que não tínhamos feito contato, ameaçou processar por fake news, alegando que faltávamos com a verdade ao informar que o motorista estava drogado. Comprovamos que foi autuado por isso.

Casal perde filho em outra tragédia

No dia 30, na BR-153, também no estado de São Paulo, próximo a José Bonifácio (SP), outra carreta colidiu com dois carros, provocando o esmagamento dos veículos e deixando quatro pessoas feridas, entre elas um casal e seu filho de 7 anos. O menino não resistiu e veio a óbito.

A mãe do menino permanece em estado grave e o pai está em recuperação, mas ainda hospitalizado.

O veículo pertence à transportadora Atual Transportes, que possui multas recentes do DER-SP por excesso de peso e também por fuga da balança. O condutor foi autuado pela PRF pelo mesmo art. 67-C do CTB, relativo ao excesso de jornada.

Nas três tragédias relatadas nesta matéria, é importante informar que os caminhoneiros que colidiram, provocando o engavetamento e o esmagamento das vítimas, não sofreram nenhum dano.

MPT comprova relação entre excesso de jornada e uso de drogas

Em mais uma operação Jornada Legal realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) no final do ano passado, ficou comprovada a relação direta entre a positividade para o uso de drogas no exame toxicológico e o excesso de jornada.

Em recente coletiva com a imprensa, promovida pelo laboratório grupo Fleury, o procurador do MPT, Dr. Paulo Douglas Almeida, apresentou um quadro que demonstra que, quanto maior a jornada, maior a taxa de positividade para drogas.

Na mencionada operação, realizada em novembro do ano passado, o índice de positividade com jornadas acima de 13h esteve na faixa de 50%.

Em 2019, quando havia maior controle em relação ao cumprimento do exame toxicológico, o índice se mantinha mais baixo, conforme indica o gráfico. Contudo, a partir de 2020, esse controle passou a ser negligenciado e até combatido pelo governo, fazendo a positividade disparar, assim como a sensação de impunidade.

O que talvez explique em parte outra tragédia com esmagamento das vítimas, provocada por caminhoneiro com exame toxicológico vencido, ocorrido na BR-376, no Paraná, em abril de 2023. Na ocasião, a professora Vanessa de 37 anos e seu filho Pedro de 7, morreram esmagados pela carreta que tinha várias irregularidades e era conduzida por motorista com exame vencido.

Quanto mais horas ao volante maior a probabilidade do uso de drogas

Durante a apresentação dos resultados da Operação Jornada Legal, na Procuradoria Geral do Trabalho, os dados do MPT apontaram que 25,47% dos profissionais trabalham mais de 13 horas e 56,60% laboram todos os dias entre 9 e 12 horas diárias.

As informações também confirmam que a jornada exaustiva está diretamente ligada ao uso de substâncias químicas. Entre aqueles que trabalham mais de 16 horas, 50% confirmam a utilização de algum tipo de substância.

O número cai para 15,79% quando o trabalhador labora entre 4 e 8 horas. Dentre aqueles que utilizam substâncias psicoativas, 77,27% afirmam que o objetivo do uso é para “não dormir”, o que confirma que o uso não é recreativo.

É importante lembrar que a cocaína predomina em mais de 70% dos laudos positivos, enquanto opiáceos e anfetaminas (popularmente conhecidos como rebites) têm participações bem menores.

Governo adiou mais uma vez a fiscalização do exame toxicológico

Desde 28 de janeiro, os agentes de trânsito deveriam autuar condutores com exame toxicológico periódico vencido, obrigatório para as categorias C, D e E. Entretanto, o governo adiou novamente a punição. A nota oficial do Ministério dos Transportes foi justificada com a seguinte explicação da Senatran:

Conselho Nacional de Trânsito prorroga o prazo para a realização de exame toxicológico – ‘Para não prejudicar motoristas de boa-fé, decidimos oferecer mais esse período de regularização, que acreditamos ser suficiente para extinguir essa demanda”, informa o secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão.

O novo prazo adiou as multas para 1º de maio para um grupo e 31 de maio para outro, conforme o período de renovação da CNH. Veja mais detalhes em “Governo prorroga novamente prazo do exame toxicológico periódico“.

Estradas.com.br conversou com agentes de trânsito, que estavam na expectativa de aplicar a lei, e descobriu que não foi publicado no Diário Oficial os códigos das infrações pertinentes ao não cumprimento do exame toxicológico. Indício de que possivelmente não havia intenção de iniciar de fato a fiscalização por parte do governo federal e da Senatran.

Afinal, desde julho de 2023 a eventual fiscalização e consequente autuação foi anunciada regularmente pelo próprio governo na imprensa, nos seus sites e nas mídias sociais. Aliás, após o adiamento continua sendo anunciado.

Segundo a assessoria do Ministério dos Transportes, no dia 26 de janeiro, dois dias antes do início da fiscalização e aplicação da multa de balcão, quase 10% do total de condutores habilitados nas categorias C, D e E, não tinham realizado o exame periódico obrigatório. Veja a resposta do Ministério a nossa demanda:

“De acordo com levantamento da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), até 26 de janeiro, 1.162.058 condutores das categorias C, D e E com CNHs válidas em todo país se encontravam com o exame toxicológico vencido por mais de 30 dias.”

Omissão das autoridades do governo federal colocou vidas em risco

Na avaliação do coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, tanto o ministro dos Transportes quanto o Secretário Nacional de Trânsito  e membros do Contran ,assumiram, em parte, responsabilidade pelas mortes possam ocorrer após este novo adiamento, causadas por condutores com exame toxicológico vencido ou mesmo aqueles que estão sob o efeito de drogas.

Ao adiar as punições a quase 1,2 milhão de motoristas, o que as autoridades fizeram foi beneficiar quem usa drogas, os traficantes e quem explora os motoristas profissionais com excesso de jornada. Isso deixa perplexos os motoristas que efetivamente agem de boa-fé e que cumprem a lei. A sensação é de impunidade, e somente quem se beneficia é quem anda errado. Pessoas estão morrendo por causa desses motoristas usuários de drogas, e, assim como o governo anterior contribuiu, em parte, por mortes como da professora Vanessa e seu filho, este governo incorre no mesmo erro.”

Rizzotto lembra que, do ponto de vista criminal, os motoristas deverão ser punidos, mas não podemos esquecer a responsabilidade das empresas que exploram os caminhoneiros.

Neste sentido, cabe ao Ministério Público do Trabalho colaborar com as investigações para identificar de que forma as empresas envolvidas podem ter contribuído com essas e outras tragédias que ocorrem diariamente nas rodovias brasileiras.

Da mesma forma, é papel do Ministério Público Federal apurar eventuais responsabilidades por ação ou omissão das autoridades que deveriam zelar pelo trânsito seguro no país, principalmente quando adiam ou inviabilizam a fiscalização das irregularidades praticadas por condutores e empresas que podem provocar a morte de pessoas em virtude da fadiga dos motoristas ou do uso de drogas para suportar jornadas desumanas de trabalho.

Além disso, é fundamental analisar a sinalização de obras nas rodovias, já que pelo menos duas tragédias ocorreram em trechos com obras e sinalização de ‘Pare-e-Siga’. Nos três casos o engavetamento ocorreu em rodovias federais concedidas, cuja responsabilidade de fiscalização é da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Fonte: Estradas

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